segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

O pequeno exército

Ouvindo "Benediction and Dreams" de Lilia Down

https://www.youtube.com/watch?v=r05p17X7rZM

As mãos não respondem.

Não na velocidade que deveriam. Pequenos choques as fazem saltar eletrizadas.

Mas elas não obedecem rapidamente quando eu as comando.

Tudo se solta delas e se despedaça no chão.

O corpo sucumbe à mente estilhaçada. Escolhas erradas, emoções erradas, decisões erradas tem seu peso com os anos.

Os tendões doem enquanto escrevo, mas preciso tentar. Não acerto as teclas, volto e corrijo várias vezes e a mente quer derramar, o coração quer falar, mas o corpo não deixa. . . Que armadilha! Passei o ano prendendo as emoções para continuar vivendo sem ser derrubada por elas e - em um golpe rápido - elas dominram meus nervos e agora são donas de tudo.

A língua enrola, as palavras são trocadas e fazem os poucos amigos que ficarem rirem mal disfarçadamente. Tento acompanhá-los mas, exaustda tudo não passa de um sorriso opaco.

Os pés erram a altura dos degraus da escada e ao invés de pisar o belo revestimento de sua cobertura esfolam a pele dos dedos raspando o concreto bruto da parte debaixo. Sangram ardem. Mas a dor é um lampejo apenas. . .

Sinto a falência do meu corpo.

Toda a manhã e toda a noite vou enfileirando os comprimidos, drágeas, capsulas e outros componentes do pequeno exército de remédios que tenho que ingerir todos os dias.

Para adormecer a mente e os nervos e atenuar esta prisão.

Olho para todos eles tentando lembrar seus nomes, quantas miligramas e para que servem.

Faço pequenas batalhas no criado mudo, na beira do sofá, antes de ingerir. Tentando fazer o riso amarelo voltar.

O que é mais um dia para viver quando a vida é uma sentença triste que nós mesmos escolhemos se não uma grande batalha perdida?




domingo, 8 de novembro de 2015

Deixe-me derramar!

. . . ouvindo "Gone" Ioanna Gika


https://www.youtube.com/watch?v=598yh8hS5ak


"Por favor pare!

Pare de me dizer que vai passar! Que tudo vai melhorar! Que tudo vai ficar bem!

São décadas e décadas de dor e sofrimento! Não pense que eu nunca acreditei! Não pense que eu nunca tentei!

Acredite que já deu tempo suficiente para acreditar, perder a fé, renascer e perder tudo novamente em números que você nunca entenderia.

Em profundidades que você não compreenderia.

Porque cada um sabe das suas profundezas a seu modo! E não existem palavras humanas para explicar essas coisas.

Dor é dor e não há o que possa ser feito.

Aceite que não é para você resolver! Não tenha essa pretensão!

Por favor apenas me console apenas e pare de dizer o que eu sei que eu não sou e o que eu sei que não vai acontecer. Porque nunca aconteceu.

Pare de fazer discursos, deixe-me falar também, deixe-me falar da minha dor, permita-me ser eu mesma, permita-me derramar a minha taça cheia de amor envenenado pelas águas sofridas do tempo.

Seja capaz de pegar a minha mão ou afagar os meus cabelos ou apenas me olhar nos olhos e me dizer 'eu sinto muito'! Por favor!

Deixe-me apenas ser!

Não há nada de mal em deixar-se levar pela maré, com a âncora solta e enfrentar a tempestade com ela batendo no casco!

Pois nem sempre um porto seguro será o final da história.

Talvez viver em tempestade seja a minha benção e a minha maldição!

Respeite por favor a minha condição e pare de me dizer que tudo passa.

Pois a natureza é sempre uma equação de forças. . .

E se há o que passa, há também o que não passa. . .

E se esta é a minha senda, pois desde dos mais tenros anos dos quais eu me recordo, sempre foi assim, talvez seja só e somente isto que está reservado para mim. . . Talvez eu tenha que passar por isto. . . Eternamente. . .

Deixa meu coração se partir.

Deixa eu desistir.

Deixa eu morrer em mim mesma e pare de dizer que eu sou forte!

Pois nem você nem ninguém sabe a verdade profunda que se abriga cravada nas profundezas do meu verdadeiro Eu!

Ninguém sabe!

Pois esse abismo é meu e só eu sei as coisas inomináveis que lá habitam.

Assim como habitam nas suas profundezas também.

E não se faça de ferido(a), nem peça desculpas, pois assim você continuará me impedindo de ser quem eu quero ser. . . Apelando para o velho recurso da culpa! Me culpar por ser eu mesma? Sério?!

Como quem diz ser amigo de um cavalo selvagem convencendo-o a aceitar o cabresto do discurso banal de final feliz!

Mesmo em minha dor mais obscura eu sou selvagem e livre!

E foi assim que você me conheceu e me amou! Não foi?

Portanto não me venha agora com essas coisas de querer me controlar ou tentar apaziguar meu espírito feroz porque pensa que me conhece!

A Deusa e o Deus que habitam em mim tem muitas faces e você só viu algumas delas.

Isso não te dá poder sobre mim!

Eu respeito as faces Deles em você.

Se estou enganada diga-me e vamos resolver isso já!

Mas não tente mais conduzir meus sentimentos para o seu final Disney.

Aceite de uma vez por todas que a vida não é assim!

E por favor me deixe ser!

Deixe-me derramar!

Pode ficar ao meu lado! Pode me olhar nos olhos! Pode me abraçar e desejar-me o melhor!

Mas não me diga mais que tudo vai passar e que um dia eu serei feliz.

Porque essas palavras tão repetidas por tantos(as) antes de você. os mesmos(as) que desistiram de mim e do meu fardo porque viram que o que tanto pregaram não aconteceu, não me são mais próximos para provar a verdade dessas coisas.

Portanto cale-se e arranje outra forma de confortar-me sem me tolher! Sem mais frases feitas! Sem mais psicologia de almanaque por favor!

Não insulte a minha inteligência nem faça papel ridículo com a sua!

Apenas esteja comigo porque eu preciso de você! Eu preciso muito de você!

Obrigada por me suportar!

L"

A todos os que amam e pensam que estão ajudando aos sofredores crônicos, mas não estão.




quinta-feira, 29 de outubro de 2015

The Coming

ouvindo "Wind und Geige & Yansa" da banda Faun


https://www.youtube.com/watch?v=gkRHhsEmxcQ



Ele está chegando!

Ele está chegando!

Finalmente está chegando!

Sinto o ribombar dos trovões que o anunciam ecoarem em meu peito que arde em brasa!

As pontas de sua coroa riscam os céus e fazem derramar as estrelas dos céus, véus de chumbo do inverno que ainda insiste em açoitar a primavera que não consegue chegar!

Seus cascos fazem o chão tremer! E tremem as carnes das fêmeas de excitação e gozo pela chegada do grande Rei Garanhão!

Seus olhos ardem o fogo da paixão das paixões!

Seus pelos brilham como raios de sol riscando o dossel da floresta!

Seus músculos transparecem ao trotar pelos caminhos entre as matas como as verdades antigas inocultáveis dos ancestrais. Tempos em que éramos tribo e o saber pertencia a todos!

Nele pulsa toda a força do masculino que habita em todos nós, mulheres e homens!

Ele é o Fauno, O Galhudo, O Gamo Rei, O Garanhão! A força, a coragem, a liderança, a lança, o atame, a faca, o punhal, a espada, o sabre, a clava, o esporão!

Ele vem e Ela o espera, de corpo e alma abertos para a cópula das cópulas! A cópula selvagem, bárbara, sem limites, a cópula dos Deuses!

E toda a terra e céu se agitam no ardor da vida que volta com toda a força e vitalidade aos nossos corpos, as nossas mentes e nossos corações pagãos!

Salve o grande Rei, o grande Pai, salve o Deus Sol, o Pai Céu, aquele que vem para arrebentar com toda a sombra da dúvida trazendo o calor dos mil sóis, das mil faces, do Deus dos Mil Nomes!

Salve a toda poderosa Deusa Rainha Fertilizadora senhora da vida Deusa Lua, Mãe Terra, aquela que o recebe como a única, a escolhida para aplacar toda a energia dele e única capaz de combinar as duas energias e gerar, conceber e alimentar a esperança renovada! A vida!

Aunta Luonto Anavoimma Vaveravimassi!

(Que os quatro elementos me curem, me salvem, me abençoem e me fortaleçam com nada mais que as forças da natureza!)

Venha!

Venha!

Venha Senhor da Vida!

Venha clamar o que a dezessete anos é seu!

EU!

LR!

Sua! Sua, bruxa, servidora dos Deuses e seguidora do caminho mágico em fé e absoluta confiança para todo e todo o sempre, graças aos Deuses!

Feliz Fogos de Beltane para todos!

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

A Dor Saborosa

Ouvindo "Cry Me a River" de Julie London

https://www.youtube.com/watch?v=MkD_kYkRk3c


Ao cair de mais uma noite quente.

Quando o banho não refresca, nem o chá gelado, nem a reprise da sua série favorita. . .

Quando os versos tristes de Czeskaw Milosz não fazem sentido. . .

Você então se lembra do que te faz transpirar.

A dor saborosa. . .  Aquela que te faz sorrir e fechar os olhos assim que te espeta, como uma doce picada que traz um veneno róseo e perolado, daquele tipo que se espalha rapidamente e entorpece os sentidos assim que adentra às veias! Tão deliciosamente intoxicante!

Veloz e voraz a mente vai longe, por ondas de memórias, memórias variadas de sons e sabores, toques e silêncios, longos olhares e cortinas de voal flutuando, manchas de vinho no piso branco e prateado, cabelos revirados e sorrisos entorpecidos que se foram com o vento do inverno, mas que voltaram com o ar abafado da noite quente.

Uma voz e um corpo nu vagam pela casa enquanto a lua esvazia e se torna uma foice no céu mostrando que tudo o que é ruim deve ser cortado. . .

Mas não há coragem para cortar.

Não há vontade de cortar!

Deixa ela ficar mais um pouco!

Deixa a dor saborosa ficar mais um pouco, fazendo a pele raspar pelas paredes de quartzo em uma dor sem choro, sem lágrima, só olhos ardendo, só os ossos, os músculos e a pele gritando pelo que não volta mais!

Não tem mais volta porque está morto! A taça transbordante do amor está emborcada e agora corta a carne como quem faz círculos na massa de biscoitos.

Como quem corta alho com o copo virado com a boca para baixo.

Como quem faz círculos de vinho tinto derramado da taça na toalha de linho branca do restaurante.

Esmagando solitariamente cada restinho agonizante do que já foi um dia um grande amor.

Como quem vai dizendo adeus caminhando ao lado do trem que parte, só para prolongar mais um pouquinho. . .

A dor saborosa!

Aquela que não queremos largar porque é tão gostosa, dói tão gostosa, mesmo com os dias contados.

Mesmo com todas as estrelas e Deuses dizendo que não.

Mesmo indo embora, deixando a plataforma, sussurando pelo vidro: "... eu ainda te amo ... " e recebendo como resposta: "Adeus."

Uma boa, quente e saborosa noite para todos!



sábado, 3 de outubro de 2015

O voo solo.

ouvindo "How You Like me Now" da banda The Heavy

https://www.youtube.com/watch?v=sVzvRsl4rEM


Hoje quero só os abajures acesos!

Nada de luzes diretas ou brancas ou fortes!

Só luzes indiretas, coloridas e sombras!

É noite de sábado!

Uma noite que cai gelada sobre um corpo quente!

Uma taça de frisante gelado vem para a mão equacionar a pressão de fora e a pressão de dentro!

"NÃO POOOODEEEE!"

Só uma!

Golinhos pequenos! Estrelinhas estourando no céu da boca! Olhos revirando! Narinas arrepiando com o gás!

O corpo sai pela casa descalçando dos sapatos pesados, atirando as roupas para os lados, rebolando, gingando e se contorcendo com a taça na mão!

Hoje celebro mais uma noite de sábado sem você!

". . .So how you like me now?
  How you like me now?
   How you like me noooooooooow?"

Não respondeu mas quis responder!

Não falou mas quis falar!

Ligou mas não quis dizer!

Retornei mas não quis re-retornar!

Então fica aí!

Fica aí pensando na próxima jogada, no próximo super ardil estratégico manipulador que - enquanto isso - eu vou embora, gingando, nua ascendendo os abajures, acendendo as luzes da pista, a pista de decolagem!

Decolagem para a noite sem você!

Celebrar a vida! Celebrar mais um dia de vida sem você!

Pois há vida sem você!

Pois já começa a vir a cabeça a ideia de que talvez não houvesse vida com você!

Pois já começa a vir a cabeça que talvez nunca houve vida com você!

Tudo não passou de uma grande farsa! Você personagem principal e eu coadjuvante!

Porque eu quis!

Hoje eu voo para a noite! Voo solo! E me basto!

Com ou sem taça, com ou sem roupa, com ou sem música!

Mas NUNCA!

NUNCA!

NUNCA SEM GINGADO!

E gingando, rebolando, torcendo e serpenteando o corpo todo, bagunçando os cabelos vou escolhendo a roupa certa, a maquiagem perfeita, o brilho e o opaco na medida, quase pedante, quase sexy, quase louca!

E vou gingando para o chuveiro tomar banho com meus óleos, minhas espumas e minhas velas!

Porque a noite promete!

Promete tudo e todos!

Afinal não tem mais você!

Que nunca prometia nada porque tinha medo de se comprometer.

Que nunca perguntou nada porque tinha medo das respostas.

Que nunca estendeu as coisas por medo de cair na rotina.

Que nunca perdeu uma oportunidade de se mostrar por cima do "jogo"!

Que liga mas tem medo de falar.

Que recebe retorno mas tem medo de re-retornar!

Viver com medo é viver pela metade!

E eu estou farta de metades, de quases, de possibilidades!

Quero me fartar de inteiros!

De agoras!

De fatos!

De acontecimentos!

Pois a Deusa em mim ruge e a lua cheia e em forma de escudo já está virando a foice que vai de novo te cortar de mim! A taça não abriga mais as preces do amor, mas o perigo do apelo pela paixão!

E eu já sei o que vou escolher!

E eu não vou ligar e não deixar recado!

Não vou ficar jogando com a vida como quem atira comida às carpas.

De mansinho nada!

Eu vou é com tudo!

Segura a onda você aí decidindo quando será melhor ligar de novo para provocar a reação esperada!

Minha reação é o retorno do que eu provoco agora!

E eu vou provocar a noite!

Vou provocar aquela que ri na madrugada!

A luxúria!

A luxúria que eu descobri que é viver sem você!

Uma grande noite luxuriante de sábado para todos!





domingo, 20 de setembro de 2015

Coisas do Calor

. . . ouvindo "Guess Who", Banda Alabama Shakes

https://www.youtube.com/watch?v=zPnonYHS_IY


E finalmente os dias ensolarados chegaram!

As tarefas mudam incrivelmente!

Limpar o ventilador!

Colocar os cobertores, mantas e lençóis de flanela ao sol, lavar, guardar. . .

Ver todo o jardim florescer e frutificar deixando o chão coberto de pitangas! Sentir o ar cheirando a frutas cítricas deliciosas de colher, lavar e comer debaixo da sombra do pé de acerola!

Os passarinhos tagarelando às 4 da manhã!

O chá esquenta bem mais rápido, mas demora para esfriar e ir finalmente para a geladeira!

Os pijamas leves e coloridos voltam pra parte de cima da gaveta.

Os perfumes rearranjados com as fragrâncias leves vindo para frente da prateleira!

As roupas rearranjadas no guarda roupa, com as peças coloridas retomando a frente da fila, mas o preto pra disfarçar a barriga sincera, as coxas grossas e a bunda enorme fica sempre em primeiro lugar!

Os pés vão fritar no sapato novo!

Sapato feio! Odioso! Mas com amortecedor!

Calço praguejando como me deixa com um ar de masculinidade indesejado!

Mas. . . Reflito sobre os conselhos dos novos amigos preocupados.

Lembro das recomendações do médico para trabalhar sem dor nas longas jornadas em pé na antiga carreira que voltou com toda força!

Tá! Tudo bem! Eu aguento!

Mas nunca sem meias coloridas - afinal - como diria o ator John Malkovich: "Estilo é a única constante da vida!"!

Sei bem o que isso quer dizer!

Já vou pensando em como vou adaptar essa coisa horrorosa ao meu guarda roupa despojado de verão sem parecer grosseiro! O desafio do momento!

Trazer as garrafas d'água gelada de volta para a geladeira.

Lavar as forminhas de gelo e carregá-las.

Colocar os lençóis de cetim bordados de flores na cama e vê-los pousar no colchão como pétalas de rosas gigantes!

Rever a pasta de músicas de verão e atualizá-la com as novidades.

Tirar a touca de lã e o cachecol da bolsa, mas manter a sombrinha e a capa de chuva na mochila. . . Vai saber?!

Descobrir que todos os filtros solares estão acabando!

Sentir sede o tempo todo.

Temperar a água pra não ferrar com a garganta ou dar vez para a sinusite! "Urbanoidísses" chatas!

Os lenços coloridos e perfumados sempre a mão!

Sentir saudade do calor na grande floresta!

Do sabor do peixe de verdade, do suco de taperebá, do creme de graviola e principalmente do sorvete de tapioca com bacuri apreciado nos passeios ao por do sol no rio Amazonas pela orla de Macapá. Sem falar nos banhos ao entardecer no Oiapoque nas corredeiras do Marripá.

Vontade de ver o mar, mas morrer afogada em pilhas e pilhas de papelada pra preparar aula, estudo orientado, simulado e acabar afogada no chá gelado e no sono ruim da noite mal dormida, desta vez por conta do calor.

Lembrar de você que sempre me abandonava - como sempre me abandonou em todas as estações após nossos encontros singulares - me matando de inveja com seus programas de final de semana e feriados na casa "dos amigos" no Guarujá e na Ilha Bela.

E, agora que finalmente aceito que me abandonou de vez, vejo que a saudade vai se transformando em feixes de pequenas verdades que secam rápido ao varal penduradas perto do guarda pó alaranjado e uma a uma se desprendem dos pregadores de roupa velhos e voam pelo ar espiralando pelo jardim.

Tudo vai ficando mais leve.

A dor, a tristeza da batalha eternamente perdida, a solidão, o abandono ainda difícil de aceitar e o desprezo constantes de toda a parte, de sempre e de quase todos.
Quase todos! Exceto os mesmos que sempre estão nas telas dos dispositivos eletrônicos conectáveis dando uma baita força!

Afinal Órion já rege os céus! É tempo de deixar a luz entrar e juntamente com o calor espantar as trevas dos pensamentos ruins, dos sonhos e lembranças ruins que reinaram durante um inverno terrível mas que finalmente se vai.

E já vai tarde, na tarde quente de um verão que vem adiantado, apressado e faminto por devorar tudo de ruim e trazer tudo de bom. Tomara!

Andar nua pela casa ouvindo e cantando Joss Stone.

Sentir o frescor do cetim ao desabar na cama.

Acordar com luz no céu, mesmo na madrugada!

Seguir pelas ruas a caminho do trabalho vendo as árvores e arbustivas da rua florescem luxuriantes!

Prazeres impagáveis que vão apagar todas as dores certamente!

É só uma questão de tempo!

E mais limonada ou chá gelado no copo alto, decorado com canudinhos e enfeites coloridos!

Hummmmmm!

Bom começo do reinado do Deus Sol para todos!

quarta-feira, 1 de julho de 2015

O amor ainda está. . .

ouvindo "Don't Explain" Billie Holiday

https://www.youtube.com/watch?v=45YPO2FyXVI

Distorcido.

Envenenado.

Se arrastando, cravando as unhas dentro do meu peito.

Cuspindo ácido sulfúrico em minha garganta.

Vivo! Cheio de energia! Só que virado! Virado para o outro lado!

Totalmente virado!

Totalmente virado para o outro lado!

Como ensina o princípio hermético que os opostos estão separados por uma linha tênue que só "o verdadeiro mago sabe ler".

Não sou maga.

Sou humana.

Os Deuses galopam em meus pensamentos, sentimentos e ações!

Mas sou "meramente humana"! E como tal, negar é típico nos primeiros momentos. . .

Mas hoje mergulhada até os joelhos no inverno e seguindo em frente por dias ainda mais frios e sem estabilidade, vejo a face do amor crispada pela dor se tornar em resignação.

Não sou flor que se cheire! E é bom assumir logo!

Inquestionavelmente abandonada e maltratada, fato, mas não mais a vítima. Contribuí para as pedras e lama que hoje me atolam, mas sigo em frente, com os sapatos - que já brilharam como as estrelas sob seus beijos - lascados, sujos, partindo-se. Sigo enfrente. As lágrimas gelando no rosto formando novos entalhes na face fria de quem viu o amor morrer.

Não mereci o que tive, mas peço perdão porque também fiz o que ninguém merecia que fosse feito!

Logo, a conta veio!

E agora eu pago com dignidade! Centavo por centavo, pedra por pedra, lama por lama, atolando de tristeza pelo caminho de um coração partido e abandonado.

E vou seguindo em frente pelo inverno escuro e frio a dentro. Aprendendo com a solidão e o medo, com os prazeres inesperados - presentes dos Deuses para refrescar a caminhada - ouvindo as lições do frio, da escuridão e do silêncio da estação.

Boa caminhada de inverno para todos!

Especialmente para quem passa o inverno só e sem amor!



sexta-feira, 19 de junho de 2015

A Caminhada Muda e Morta

. . . ouvindo o tema da série "The Vikings" . . .



Caem as névoas carregadas de gelo fazendo pesar-me manto e touca sobre a mente cansada.

Os passos são difíceis tamanha a dor e a fadiga de tantos e tantos anos de notícias ruins, perdas e derrotas.

Tantos invernos cruéis e solitários, cada vez mais solitários.

Todos partindo de vez, tirando o que podem ou mantendo distância, cansados, sem saber o que mais dizer ou fazer.

Porque não há o que dizer ou o que fazer.

Porque não há nada!

Nada a não ser o som da roda girando!

Do corpo embaixo dela esmagado!

Do silêncio da queda sem fim nas águas profundas do oceano gélido da tristeza infinita!

As palavras de quem tenta negar no desespero diante do que veem soam apenas como marcha fúnebre para a morte inevitável!

Só aceleram mais a minha vontade de ser logo consumida pela avalanche, engolida pelas águas gélidas dos mares glaciais bravios, arrancada do mundo pelos ventos furiosos, incendiada pelas chamas eternas da purificação, tragada pelas entranhas da terra!

Quando chega a hora não adianta espernear, negar ou tentar amainar as coisas com palavras que não combinam com o perfume sutil que já está no ar gélido!

Não há o que possa ser dito ou feito que impeça a travessia muda e morta.

Os passos são pequenos, lentos e inseguros mas são. . . Passos!

"Eu vou!" eu digo aos meus algozes "eu vou!" repito.

Só não consigo obedecer tão rápido.

Só não consigo mais ser tão ágil.

Não tão ávida.

Como já fui das outras vezes!

Tantas vezes!

Mas com outros significados!

Hoje as músicas são outras, os versos outros, as faces dos Deuses que se mostram! Outras!

Nunca vistas!

Nunca ouvidas!

Faces que não conheço!

Vozes que estranho!

Pensamentos que nunca imaginei ter que disciplinar!

Preço alto a pagar!

E não suporto mais perguntar por que. Se tanto já foi pago.

Não! Não perguntarei mais!

Seguirei com dignidade, coragem e silêncio!

E farei o que me é doce e firmemente ordenado!

"Vá em frente!"

Bom início de inverno a todos!




sábado, 2 de maio de 2015

A queda

. . . ouvindo "Don't Give Up" de Peter Gabriel


https://www.youtube.com/watch?v=8LMB6K4rTGU


Eu caí!

Eu caí da minha fé!

Como um cavaleiro cai de seu corcel antes da justa chegar ao auge!

Tudo foi tirado de mim tão rápido!

Antes que minhas mãos cobertas pelas luvas de cotas de malha e grevas de ferro pudessem ao menos alcançar!

Tudo se foi!

Tudo se foi em uma nuvem de tempestade que eu não vi chegar.

"Mas eu já estava me afastando!" lembro-me de sua voz ao telefone.

Um telefonema de adeus para tantos anos de amor, paixão e devoção.

Eu caí!

Eu caí por completo!

Caí de minha sanidade, de minha altivez, de minha feminilidade, das alturas em que me coloquei para te colocar ainda mais alto para te adorar.

E ouvi você me derrubando por telefone!

Como quem cutuca com um pedaço de pau bem longo, algo belo apenas pelo prazer de vê-lo se estilhaçar pelo chão e ter o poder de dizer; "Você não tem poder sobre mim!".

Mas você tem sobre mim!

Hoje flerto com a morte todos os dias!

Nas idas descuidadas para mais um dia fustigante de trabalho pela madrugada, na febre, na dor, no quase desmaio, no engano, no erro, na desatenção, no fracasso, no acerto sem querer, no desfalecimento de todas as horas por ainda não acreditar no que aconteceu!

Não acreditar que você se foi.

Se foi e me reduziu a um nada tão insignificante, indigno de merecer um último olhar ou uma última palavra de adeus!

E assim você se tornou poderoso sobre mim.

Sem dúvida um grande torturador!

Justamente o que eu pensei que você jamais se tornaria, torturado como disse que um dia foi.

Dia após dia você sabe da minha dor insuportável pelos meus e-mails e telefonemas.

E como bom torturador que é fica em silêncio assistindo a minha dor e com sua negligência me torturando ainda mais.

Um torturador eficiente, cruel e letal.

Esteja a vontade meu amor.

Drene de mim o pouco que me resta.

Eu lhe dou de bom grado.

Afinal esta é a natureza do meu amor.

A natureza do seu é destruir.

A natureza do meu é deixar-me destruir.

E assim seguiremos até o derradeiro equilíbrio desta equação.

Minhas carnes sacodem e meus ossos se estabacam no chão. Uma grande nuvem de poeira sobe para celebrar a minha ida a pique.

Eu caí da minha fé.

Eu caí da minha fé no amor que sentia e que - acreditava - receber.

Eu caí do cavalo.

Tão medíocre fim!

Poderia ser mais apoteótico, mais digno da energia que partilhamos por tanto tempo!

Talvez essa dignidade seria alcançada se você sacasse uma arma de fogo e me executasse com um tiro na cabeça, meu dedicado torturador.

Mas não dá pra fazer isso por telefone não é?

Teria que ser pessoalmente.

E se você assim o fizesse?!

Se tivesse culhões para vir a mim, olhar nos meus olhos e erguer a peça . . .

Se me visse prostrada diante de você? A mulher que você disse que amava por todos esses anos!

E você pronto para disparar, terminar com tudo, ver estilhaçar algo belo para poder dizer: "Você não tem poder sobre mim!"?

Será que você o faria?

Ou será que quem cairia da própria fé SERIA VOCÊ?!

Sua até a última gota drenada pela última negligência.

G.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Rebolando pela urbes

. . . ouvindo "Tranispotting" do Primal Scream


http://grooveshark.com/#!/search?q=Trainspotting%20Primal%20Scream


Outro outono vai caindo sob o hemisfério sul do meu corpo.

Outra lua míngua no alto da minha cabeça.

Entre o êxtase e a insanidade vou seguindo pelas calçadas sujas da urbes. . .

Balançando os braços e os quadris largados pelo ar.

Penando por mais um amor me deixa.

Celebrando por mais outro que chega.

Ambos no mesmo balanço largado que deixo escapar pelas ruas da cidade cinzenta na alvorada fria de mais um dia de semana comum.

Em cada esquina um olhar de soslaio.

Um trombadinha, um morador de rua, um michê, uma pereira.

Sigo pela madrugada dia acima.

Não há nada certo a não ser a dor.

E todo dia ela vem.

Algumas vezes na forma da frase do poeta que morreu, martelando mente e coração com lembranças de quem não volta mais.

Em outras na pergunta que não tem resposta.

Algumas vezes na pergunta mal feita.

Em muitas na resposta errada.

Indiferente ao fracasso e/ou ao sucesso de cada fração de segundo que é este bombardeio de coisas que chamam de um momento entre capítulos da vida, sigo pela rua acima.

Sigo da madrugada para mais um dia.

Com seu nome nos lábios e outro nos desejos.

Como um doente que delira pelo vício antigo, mas as drogas medicinais do destino já o carregam para outro sem que ele perceba.

O balanço do meu corpo pela rua é a divisão entre o vazio do amor antigo, perdido e o cheio do amor novo, achado transbordando de volúpia.

O vazio da rotina e o cheio da vontade de estourar tudo de novo e soltar a loucura assassina de sonhos outra vez.

Rebolo mais.

Balanço mais os braços.

Largo mais o corpo.

Quer pegar pois tente!

Quer atirar atire!

Quer derrubar derrube!

Mas - como eu já disse em outros outonos:

"Tenha certeza de que eu vou cair e não vou me levantar mais!"

"Porque se eu me levantar!"

"Eu te mato!"

Assombração que de novo está na minha vida!

Eu juro que te mato!

Mato e saio balançando os quadris e os braços pela rua!

Como se nada!

Como se a sua morte fosse absolutamente nada!

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Cântico de todos os amores

. . . ouvindo "Wind und Geige" da banda Faun

http://grooveshark.com/#!/search?q=Faun+Wind+%26+Geige


Naquele segundo carregado de eletricidade que antecede a chuva,

Entre a morte certa pelos raios de Xangô a Thor,

E a exaltação pelo aguadeiro que derrama mais uma vez e impiedosamente seu cântaro transbordante em pleno verão -

Está este cântico -

Que venha o vento, a chuva e o frio

Que risque o céu o relâmpago

Que arremeta o raio sobre a Terra

Que despenque a nuvem negra mais pesada das alturas dos céus

Que corra vorazmente e em ascenção a correnteza do rio

Que arraste tudo, vento, água, fogo e frio

Que todas as certezas sejam lavadas

Mas nunca levadas

Pois quando o corpo se prostrar e a mente exaurir e a alma cair no mais anastomosado dos desesperos

Eis que se erguerá das profundezas da Terra

Assim como das mais elevadas alturas do Céu

As mãos do Pai Sol e da Mãe Lua a te colocar a salvo

Pois que este é o maior de todos os amores

Este é o maior de todos os amores

O maior de todos os amores

De todos os amores

Os amores

TODOS!

Espiralando e espiralando e espiralando para sempre no Cosmo!

E nada mais te fará desfalecer,

Nem cair em desespero,

Nem ter medo

Pois que esta é a energia que rege o demover do Universo!

Energia pura que flui no vento, no relâmpago, no raio, na chuva e na correnteza do rio que lava a Terra mas que deixa a árvore de raiz forte ainda mais poderosa, carregada de matéria viva trazida pela fúria das águas.

Aguente firme as fúrias!

E se reerga, pleno(a), poderoso(a), vitorioso(a) e transbordando . . .

De puro amor!

Bom final de mais um dia de verão a todos!



sábado, 10 de janeiro de 2015

1999

. . . ouvindo "Lust for Life", Iggy Pop

http://grooveshark.com/#!/s/Lust+For+Life/4yA0tv?src=5

Os anos noventa foram decididamente os anos de transição do tudo feito a papel ou a máquina de escrever para o tudo feito a máquina de processamento.

Até hoje chamo PCs, Notes e Tablets de máquinas.

E meus dedos enormes não teclam com eficiência aquele tecladinho da tela do celular emprestado da "amiga" que nem quer mais ele de volta e já nem é mais amiga também.

Escolhas ruins, aparelhos obsoletos, amigos obsoletos, malditos dedos cheios de pressão que demoram tanto pra responder uma pergunta pelo tal do whatsapp que a pessoa no outro aparelho já mudou de assunto duas vezes e eu ainda estou falando do primeiro!

Hilário!

Mas são as coisas da velhice. Tudo se vai e fico satisfeita em saber que fiquei para trás em muita coisa e não tenho a mínima vontade de correr em alcançar quase nada nem quase ninguém.

O primeiro desses momentos de satisfação foi em 1999.

É! A beira do final do milênio!

"O mundo vai acabar!", o assunto etéreo mais uma vez ganhava os papos em toda a parte.

" . . . é só mais uma ano! Cada dia na vida é uma gota no oceano!" cantava o Dinho Ouro Preto com o Capital Inicial.

Estavamos a 4 anos na USP. Tinha a minha turma fechada! Mesmos bares, mesmos drinks, mesmas músicas, mesmas disciplinas na faculdade, mesmos estágios, mesmas viagens, mesmas histórias. Uma fidelidade de irmãos. Nos encontrávamos até sem combinar. Nos amávamos sem nos dizer nada! Um olhar bastava! Aguentávamos nossos surtos em algumas ocasiões . . . Em outras não! De jeito nenhum! Divertido! Muito divertido!

E tenho certeza que mesmo tendo passados esses 20 anos desde nossa estréia na rodoviária (apelido que demos ao nosso prédio A Geografia da Universidade de São Paulo), quando nos reencontrarmos todos não terá passado um só segundo sequer!

Mas por que 1999? Houve tanta coisa antes? Mais ainda depois? É que 1999 eu aprendi a fazer Caderneta de Campo!

Éééééééééééé tava contando quantas eu já tenho e quando passou da trigésima abri um sorriso enorme! Já não cabem mais na caixa que separei para elas! sksksksksksks

É de dar orgulho.

As anteriores a 1999 ainda eram mal escolhidas, capa mole, preenchidas a caneta!

" . . . madness! Madness and stupidity!"

Fico olhando para os borrões hoje, ouvindo Iggy Pop e pensando no filme Transpoting!

Eu era uma idiota perdida!

Só podia ter perdido centenas de páginas de informação preciosíssima em uma típica chuva de janeiro por pura burrice!

Só depois de 1999 passei a usar exemplares com capas duras, escrever somente à lápis e levá-las com seu plástico protetor sempre do ladinho.

Lápis apontados com borracha na outra ponta? Vários na bolsa!

"Caderneta de Urbes", chamo quando estou por aqui!

Tinha muito o que registrar na Urbes 6 daquele ano!

Foi o ano em que me apaixonei por mais uma escolha ruim.

O algoz, carrasco da minha mente, corpo e coração. Ele já circulava dois anos antes em volta de mim, ansioso por se aproximar. Éramos novos na empresa onde trabalhávamos, coaches, tínhamos turmas enormes e o training dele era logo em seguida do meu.

Os trainees faziam coraçõezinhos na lousa com nossos nomes. Diziam que éramos muito parecidos e que fariamos um ótimo casal.

Quem dá bola para o que trainee acha?

Só uma idiota! Do tipo que compra caderneta de capa mole e preenche a caneta em janeiro!

Eu! Claro!

E ele! Hah ele caiu matando!

Papinho de carente, recém saído de relacionamento sério, mais velho, inteligente, excelente coalch! As trainees suspiravam e os trainees quando nos víam juntos gritavam em coro: "vai que é tuuuuua Tafarel!".

E ríamos todos!

A caderneta já tinha a capa mole e as folhas finas!

Só faltava eu tacar a caneta!

Levei semanas para aceitar o primeiro convite para sair.

Cinema . . .  Transpoting!

Baita filme! Alucinamos com a trilha sonora!

Beijo? Só na porta de casa na hora de descer do carro.

Eu tinha passado anos sem me envolver com ninguém! Quase 3 pra ser sincera! Estava me preparando para a escolha que já estava decidida a fazer! Auto-iniciar-me como wiccana. Segmento de bruxaria que começava a estourar no underground do exoterismo e do ocultismo.

Mais uma vez: caderneta errada! caderneta errada! caderneta errada!

Escolha ruim! Tudo vai se arrasar com a primeira chuva de janeiro!

E assim foi! Taquei a caneta e registrei adoidado!

Ele era interessante, estávamos na mesma época de faculdade - o maldito meio - estávamos apaixonados por nosso trabalho e odiávamos a empresa que nos empregava, mas amávamos nossos alunos, que vibravam com nossa relutância em assumir que "tava rolando um fight", como falavam na época!

Imagine admitir alguma coisa para trainees?! Tinhamos tudo acertadinho! Nada de exposições, nada de assumir coisa alguma.

Apenas saíamos e ficávamos.

E rolaram uns meses até a carne falar alto e aí a paixão caiu sobre nós. Forte e pesada como só a dependência química e física podem ser. Nos amamos loucamente. Descobrimos prazeres incríveis um com o outro, coisas que eu não conhecia, pequenas ousadias, pequenas picardias. Tudo de pouco em pouco nos puxando cada vez mais um para dentro do outro como toda paixão faz!

Ele morava no bairro logo ao lado de onde eu morava - para ajudar ( não! não é a primeira vez que falo dele por aqui, mas aquela caderneta me fez trazê-lo das profundezas da memória novamente ). Ele vinha me buscar com seu carro de madrugada para me deixar na USP para as aulas da manhã e ir para o trabalho. Nos encontrávamos no almoço e nos almoçávamos logo em seguida. Paixão de todos os dias. Ele me fazia esperar onde estivesse USP, trabalho, onde fosse! Liberava os trainees dele mais cedo e vinha correndo atravessando a cidade para me buscar e me deixar em casa e nos falarmos até faltar só duas ou três horas para nos vermos de novo na madrugada seguinte.

Um dia virei a esquina e lá estava o carro dele parado na porta de casa!

O puto se apresentou e conquistou minha mãe e minhas irmãs e já fazia pilhérias! Minha boca se abriu e meus olhos piscavam sem parar enquanto minha mãe dava pancadinhas nas minhas costas:

" Tá de namorado hein? "

Eu estava?

A tempestade se armava sobre a caderneta molenga de amor e embebida em tinta e eu nem percebia.

Tudo começou com uma ex dele que voltou de um intercâmbio sei lá aonde . . .  Austrália, Nova Zelândia . . .

Essa frase desbotou na caderneta mas nunca em minha mente:

" . . . pintou um clima, rolou um beijo . . . "

E tudo se foi com as águas do verão depois de um ano de paixão a baixo!

E foi tudo ficando difícil! Ele a colocou pra trabalhar como coach conosco me colocando em situação ridícula! Ah que sorte que ela era péssima!

Depois quis sair comigo novamente dizendo que tinha um relacionamento aberto com ela. Rejeitei com fúria. Mas eu era a bola da vez! Ele se tornou Manager e foi direto e babando pra cima da escala!

E nos colocou juntinhos todos as manhãs, tardes e noites em todas as unidades de coaching!

" . . . QUE CANALHA !!! " meus amigos de faculdade ralhavam e lutavam para me carregar da sala de aula para o almoço, do almoço - nesta parte correndo porque é evidente que o maldito carro dele estava no lugar de sempre esperando "a sobremesa", para o trabalho e assim por diante!

Mas por mais que meus amigos se esforçassem . . .

As tintas da caderneta já escorriam feito cachoeira. Meu coração partido vertia sangue sujo como tinta, sangue pútrido, contaminado pelas inúmeras mentiras, invenções, intervenções e traições dele.

Ele se transformou em outra pessoa da noite para o dia.

Dispensou a ex e quase namorada novamente.

Tentou comigo e não conseguiu nada.

Então decidiu-se por ficar com trainees.

E arrasou com todas elas! Curso por curso, turno por turno, unidade por unidade.

Como manager tinha acesso a tudo e as conquistava facilmente. Sempre o mesmo tipo. Pequeninas, frágeis e carentes que se escondem no fundo da sala.

Mas que riam e se mostravam quando era a minha aula.

Riam da minha cara. Riam do meu treinamento. Riam do meu esforço em fingir que nada estava acontecendo.

Meninas-crianças.

Faziam minha humilhação se espalhar por toda a empresa. Os colegas coaches me levavam a reboque para todas as baladas e cervejadas possíveis! Todo mundo ajudando e repudiando-o.

Todos os meus amigos de faculdade fizeram uma super campanha de boicote a ele de todas as formas!

Sozinho ele escolheu uma das trainees  para namoradinha e meu mundo caiu!

Era o início de 1999!

Era o fim do mundo para mim!

Rezei por ele. . .  PELO FIM DO MUNDO, CLARO!

Assistia ao filme Armagedom rindo e várias vezes e sempre que podia! Era tudo o que eu queria! Que o mundo se acabasse em chamas e virássemos pó para não ter que morrer de vergonha a cada vez que ía pra o trabalho, a cada turma que iniciava o coaching. A cada trainee que ria alto. Os outros trainees baixavam a cabeça e murmuravam baixinho para mim no corrdor.

" Foi mal coach  . . . "

E eu morria a cada dia um pouco mais.

Mas nunca é o suficiente certo?

A caderneta já se tornara um borrão só! Mas se jogar mais um pouquinho de água ela derrama mais um pouco de tinta não é ?  Quem sabe se disfaça . . .

Uma trainee aparece na sala de equipamentos de vídeo enquanto terminava de guardar os materiais usados na aula que acabara de encerrar:

" Coach a senhora se importa se eu conversar com a senhora um pouquinho? " - pediu toda jeitosinha.

E eu já jogando as coisas nas caixas suavizei a voz:

" Claro, querida pode falar! " sorriso de 23 centavos.

" É sobre o Coach Zué . . .  A senhora e ele se conhecem não é? " - parei de tacar as coisas nas caixas.

" Um pouco . . .  " - me voltei pra ela com um sorriso de 7 centavos: " Em que posso ajudá-la . . . ".

Se apresentou fulaninha. Tipinho típico das trainees que ele "tava pegando" mesmo com a namoradinha em uma das turmas.

A boca dela se mexia e minha vontade de começar a jogar os equipamentos nela aumentava na mesma velocidade:

" . . . eu ouvi que a senhora e ele tiveram um lancezinho, mas eu sei que não é verdade! A senhora é inteligente e respeitável demais para alguém tão carente e tão sozinho como o Coach Zué! Imagine? . . . " - riu-se desafinada.

Agora o meu riso era de faca.

" Então " ela prosseguia:  " Eu queria um conselho da senhora. Ele andou me falando umas coisas que não é qualquer um que diz sabe? Não é qualquer um que percebe . . . Eu não sei como! Mas é como se ele me conhecesse a muito tempo sabe? E eu já nem consigo assistir a aula dele mais! Preciso saber coach, ele falou alguma coisa pra senhora?".

Meus braços se cruzaram, meu sorriso agora era de 3 centavos.

Suspirei e voltei a guardar as coisas com cuidado para não deixar a fúria fazê-las voar.

"Ah eu sabia que a senhora sabia de alguma coisa!" ela começou a tremer e a falar alto sem perceber sua própria exaltação.

Terminei de guardar tudo, preparei-me para sair enquanto ela pedia incansavelmente para que eu lhe contasse o que eu sabia e já na porta, saindo para o corredor virei-me e derramei uma dose de tinta enorme da caderneta de urbes que já se partia de dentro para fora em um X enorme:

" Bem querida, ele é manager, usou suas credenciais para saber tudo sobre você querida! Agora quanto a você e ele? Hmmmmm vamos ver: ele namora uma garota da turma B da manhã, pega duas da turma C do noturno e me pega de fim de semana, agora da sua turma ele ainda não tá pegando ninguém o que é muito favorável para você. É tudo o que eu sei, boa sorte! " sorriso de 300 dólares e saindo!

Na aula seguinte ele invadiu meu training usando seus direitos de manager e assistiu a exposição inteira ao lado dela segurando sua mão.

Ao de tudo lancei um tema polêmico e inúmeros trainees me cercaram inviabilizando a aproximação o afoito casal.

Demorei o triplo do tempo para tudo.

Para atender a todos os alunos, para guardar todo o equipamento e para me preparar para sair. Quando cheguei na recepção do prédio todo mundo estava lá e a recepcionista já foi logo falando:

" O manager Josué quer falar com a coach"

" Eu já sei estou indo!" a interrompi e o falatório era alto: " Vocês não tem que ir para o trabalho ou para casa ou viver SUAS vidas? " - gritei antes de entrar na sala dos managers.

Alguns se levantaram mais logo voltaram quando eu entrei.

Malditas divisórias que não chegavam até o teto.

" Sua conduta foi inadequada, coach!" - ele foi logo dizendo em voz alta para a platéia!

" Nada demais em relação a sua, meu caro chefe! " - disse me sentando e colocando os dois pés na mesa dele e a mochila na outra cadeira: " A trainee me pediu clareza de informações e eu cumpri com o meu dever." ri 17 centavos.

" VOCÊ APAVOROU A MENINA E MANCHOU A MINHA REPUTAÇÃO!!! " ele perdeu o controle e se levantou.

" A SUA O QUÊ ?! " meu grito foi mais agudo, ainda sentada, sorriso de mil dólares.

" Tá bom, tá bom eu sei! Eu fui péssimo com vc!"

" PÉSSIMO?! " - coloquei as duas mãos cruzadas na nuca e escorreguei na cadeira relaxada : " Você foi e é execrável! Eu não sei quem você é entre aquele que foi a casa da minha mãe se apresentar como meu namorado sem me consultar e esse que come uma trainee por curso e turno? " - disse baixinho e quando ele veio pra cima de mim com o dedo em riste me levantei: " - Não sei quem você é e não quero saber! Vá confortar a coitadinha e se vira com a platéia aí fora! Eu me demito! "

" VOCÊ NÃO PODE FAZER ISSO! " - ele retomou a gritaria vindo atrás de mim enquanto eu jogava a mochila nas costas.

" EU JÁ FIZ! EU ME DEMITO! NÃO ACEITO SER COACH DE UM MANAGER DA SUA LAIA! VÁ CONSOLAR SUAS TRAINEEZINHAS QUEM SABE UMA DELAS SE TORNA A PEGADA DO TURNO DA TARDE E TE CONSEGUE UMA OUTRA COACH  TROUXA PRA CAIR NAS SUAS HISTORINHAS DE COITADINHO CARENTEZINHO QUE A NAMORADA ABANDONOU! " - gritei já batendo a porta.

A gritaria foi total no hall do prédio.

" MANDO MINHA CARTEIRA DE TRABALHO PELO CORREIO! ADIÓS A TODOS! " me despedi sem olhar para trás com um sorriso de cinco mil dólares.

Claro que ele me despediu!

E claro que eu usei a grana muito bem indo para um congresso do outro lado do país, onde conheci um homem espetacular com quem namorei por vários anos!

Mas guardo com carinho a caderneta esfacelada, que secou, endureceu e virou um souvenir sombrio, todo borrado e grudento.

Mas colei a etiqueta 1999 (6) nela! Sexta caderneta! Caneta nunca mais!

Tipinho que se faz de vítima nunca mais!

Mulheres devem procurar homens, namorados, ficantes e amigos como uma boa caderneta de campo para uso na Urges! Deve buscar pessoas de força, resistência, que dizem a que vem e devem se lançar a elas com a suavidade poderosa e eterna do lápis para que nada se perca nunca e tudo fica preservado para sempre!

Receita que deu certo!

E ainda dá!

Dá muito certo!

Precisei de muitas escolhas ruins coroadas com a pior de todas da minha vida para aprender isso!

Mas aprendi!

Logo . . .

Boas escolhas ruins para todos!