quarta-feira, 12 de março de 2008

Sizihgia e a Balada

Pois é!



Decidi que chegou o momento de parar de contemplar a passagem do tempo!



E logo com qual atitude minha decisão foi para a prática?


Decidi ir para a balada!


Pois é... logo eu, uma mera geógrafa pagã, ligada a natureza, com atividades ligadas ao dia e as trilhas na mata. Atividades noturnas?! No máximo um banho de mar a noite em uma praia deserta...


Foi um grande passo! Não que não goste de baladas noturnas, eu até vou uma ou duas vezes por ano, em aniversários... o meu e o de mais algum dos meus poucos amigos que gostam dessas coisas!




Não foi sempre assim, já foi diferente, já consegui ser baladeira, nuns tempos passados aí, quando a idade era mais de banana verde e o frescor da adolescência ainda fazia o corpo todo vibrar uma eletricidade que nunca acabava! Aproveitei bastante o tempo da noite, chegava até a lamentar quando o dia amanhecia.


Deu coceira na bunda ?


Deeeeeu!


Tudo bem analistas de plantão! É verdade! O meu lado solar fala alto aí! A Geografia! O Ambientalismos! Mas há também uma forte dose de preguiça e medo! Vontade de me esconder do mundo, vergonha, recalque, timidez, comodismo e tudo o mais! Assumo! Sou uma encalhada assumida e feliz!


Porém, o que mantenho como minha defesa é o argumento de que abandonei as atividades recreativas noturnas nos últimos anos porque elas acabaram por se tornar chatas, previsíveis e enjoativas. Sempre os mesmos personagens, as mesmas peças no mesmo tabuleiro com um final típico, previsível e de custo elevado demais! Enfim, são desculpas, mas são boas!




São boas por que? Porque são reais, ora! Ir para a balada e viver emoções fortes é raro nesses dias de século XXI com as chamadas tecneras, as raves e afins. As pessoas buscam outras coisas! É verdade que o que eu chamo de emoções fortes é diferente do que a moçada baladeira de hoje chama de emoções fortes. Tem algumas semelhanças mas a atitude e a intenção mudaram um bocado.



Por exemplo, o piscar das torres da região da Avenida Paulista vista do carro seguindo pela pista expressa da marginal pinheiros, continua impagável! Continua um marco que aponta o centro nervoso da balada paulistana, o ritmo das luzes parece o bombeamento do sangue urbano noturno pelas veias do corpo da cidade, como um pulso. É um ritmo intervalado de forma magnífica. A respiração muda, os olhos apertam, a boca abre um sorriso voluptoso, o som do carro fica mais alto porque todos param de falar e entram no transe, o pé da motorista afunda no acelerador, tudo é velocidade, na estrada e na mente. Isso não mudou.


Fazer um tour pelos principais pontos de encontro é que mudou. São muitos! Em vários pontos da cidade! Tem mais tribos musicais! Mais variações de casas noturnas e bares! Os preços continuam altos e continuam raras as noitadas mais em conta, principalmente se a tribo procurada ou o estilo da casa está na moda.


Fila na porta é comum! E aí as diferenças saltam aos olhos! Na fila as personagens repetem figuras antigas. As mocinhas com os cabelos extremamente tingidos, extremamente lisos, os saltos das sandálias extremamente altos, as roupas extremamente coladas. Um tipo de beleza que não é novo. A moda não é nova. Moda é divertido! As energias é que são outras. Sinto falta de mais atitude. A escravidão da moda não é só pra mulheres! Os homens também tem seus pré-requisitos para estarem ali. Os corpos malhados, as camisas ou camisetas justas, cortes de cabelo iguais e adornos muito parecidos lembram um exército. Terrível!


Quem está fora deste padrão (uma vez uma amiga que é super ligada nessas coisas os chamou de "out"), sente-se realmente fora imediatamente. Raros são os que tem atitude e matem a altivez diante daquele exército de corpos e semblantes duros, cada um olhando para uma direção como se suas vidas fossem um longa metragem de cinema de grande sucesso, com apenas eles mesmos como protagonistas únicos da história. Nessa fila de geladeiras meus olhos procuravam pelos altivos "out", pessoas que olhassem umas para as outras, que sorrissem, que não agissem na defensiva ou na posse de todo o tempo e de todo o espaço em volta delas.


Daí o cadastramento irresistível, prática costumeira das minhas noitadas de outrora:


Personagens típicas da balada:


A Rainha da Balada: corpo de bonceca de academia de ginástica, cabelo perfeito, maquiagem que não derrete, roupas do último grito da moda! Super in! Dança com movimentos controlados para não transpirar, olhar no horizonte, inatingível, alvo certo do Gatão Malhadão

A Gordinha Palhacenta: super animada, risada gostosa, roupas super combinadas num estilo original, fala alto, ri alto e tá sempre saindo da fila com movimentos largos pra todo mundo olhar e falar o quanto ela parece divertida apesar de ser out.

O Gatão Malhadão: garrafa de cerveja na mão para bebericar sempre mostrando o braço extremamente apertado pela manga da camiseta colada e os músculos explodindo. Ou então com as mãos nos bolsos da calça de cintura baixa com a mesma finalidade. De olho na Rainha da Balada, afinal quem pegar vai ser olhado por todos os outros e será o macho alfa da noite! Absurdamente in os músculos da barriga sarada que ele tenta mostrar "sem querer" gritam: in! in! in!

A Inha: são meninas tão pequenas que precisam andar com o RG pendurado no pescoço pra provar que não tem treze anos e que até já menstruam. Um tipo perfeito para a moda, tudo fica perfeito, são o manequim pp, super in para a ditadura das modelos anêmicas, dá medo de pisar em cima, andam em bandos pra fazer volume e também são as favoritas dos Gatões Malhadões.

O Desesperado: cola em uma garota se ela simplesmente passar os olhos por ele. Não percebem que não foi um olhar prolongado de quem tem interesse, não percebem que chegam perto demais pra falar, pra dançar, pra oferecer cerveja ou qualquer outra coisa. Não percebem nada! Só sossegam quando levam um mega fora, aí saem bicudos, chingando e ficam olhando feio o resto da balada ou vão atrás de uma outra garota que ainda não tenha aprendido a não olhar pra eles. Adoram a Inha e se esforçam tanto para serem in, que fica apelativo demais, mais ainda que os Gatões Malhadões porque transpiram a ansiedade em que se encontram!

A Desesperada: a princípio confundível com a Rainha da Balada, não fôsse seu olhar desesperado pra todos os lados em busca dos Gatões Malhadões. Dança com movimentos maiores e mais sensuais porque precisa se fazer ver desesperadamente. Geralmente pega o refugo da Rainha da Balada no final da noite, quando o páreo terminou.

O Palhação: dança com movimentos exagerados, bebe exageradamente, tenta encoxar alguém e ri de si mesmo quando não consegue, tenta conquistar a Inha e, fatalmente ignorado vai zoar com os companheiros ou achar alguém out, porque decidiu no meio da balada que não quer mais ser in.

A Bacana: Não tem grandes movimentos de dança, não usa roupas in, mas faz aquele comentário inteligente que todo mundo cala porque acha out, ficar puxando papo na balada. Está ali pra se divertir e acaba segurando a onda do amigo Palhação ou da amiga Desesperada quando esses não conseguem o que querem. Quando é amiga da Inha, tem que se virar pra voltar sozinha e sempre ser compreensiva.

O Alternativo: Roupas super diferentes, out mas in, perdoado pela originalidade, olhar crítico, parece comentarista de Oscar, cara de conteúdo, paga de intelectua, nunca se meche, raro abordar alguém, entra e sai da balada com a mesma cara e se alguém chega usa frases feitas bastantes comuns do tipo: "A casa tem uns DJs de trance e hip hop que eu curto...! e tals!

A Autêntica: Absolutamente "na dela", é in, mas dança pra si mesma, faz questão de mostrar que está ali pra se divertir mas também quer ficar com alguém, espera ser encontrada como a Rainha da Balada e copia o estilo dela só que com algum toque pessoal pra não parecer mais uma. Tem pavor de ser comum e curte o Alternativo, apesar de identificar logo suas frases feitas.

Em um mapeamento rápido, o diagnóstico foi instantâneo! Os "in" dominavam toda a fila e as filas das baladas do outro lado da rua. Estavam em Toda a parte! Um ou outro aqui e ali não eram "out" de verdade uma vez que estavam cabisbaixos e sem atitude, afetados pela intoxicação dos "in", eram os desesperados, palhações e as palhacentas, que não usavam as roupas requisitadas ou não tinham as formas físicas requisitadas.


Não quero ser saudosista! Nem bancar a hipócrita com máximas do tipo "no meu tempo era diferente"! Não mesmo! O mundo sempre foi dos magros e a moda uma ditadura das cores, cortes e modelos de roupas.


Mas pera aí! Tem o corpo, tem a roupa e tem a atitude. Tem modelos fotográficos horrorosas hoje em dia, com narizes inacreditáveis, estaturas impossíveis para a profissão, formas físicas esqualidas que chegam ao bizarro! Mas estão ali porquê? Porque tem atitude! O olhar, o jogo de pernas a posição do corpo, dos braços.


Só que essas pessoas de atitude são modelos profissionais! Tem essa atitude porque esse é o seu trabalho! Já fui manequim! Existe o olhar certo, o ângulo certo, a posição gestual correta para a idéia a ser transmitida! Só que isso é para uma passarela, para o momento de uma fotografia a ser tirada! Nunca para o trato com os outros, sem socialização, sem integração, sem contato. Era isso que eu via, uma verdadeira fila de geladeiras.

Acho que nem preciso descrever o resto da balada não?

Um casal ou outro vivendo de fazer pose ao dançar, ao beijar, ao encenar uma paixão que dificilmente vai sobreviver ao nascer do dia, uma série de pessoas dançando para si mesmas na esperança louca de que alguém desafie romper sua redoma e as conquistar, resultando em um monte de pessoas terminando a noite sozinhas.

As Inhas todas acompanhadinhas pelos Gatões Malhadões, a Rainha da Balada aos beijos no saguão da saída com o Gatão Malhadão vencedor da noite, a Desesperada lutando para fazer igual sem muito sucesso porque não convence a si mesma nem ao cara que está conversando com ela, quanto mais a galera! A Bacana fazendo careta na fila do caixa, o Palhação dando show na fila para a saída juntamente com a Gordinha Palhacenta, a Autêntica se esforçando para se mostrar interessada na conversa mole do Alternativo e o Desesperado de cara feia para a Inha que o desprezou.

Voltei pra casa com a barra do dia já disparada, morrendo de rir das minhas amigas e dos personagens que, sem imaginar a crítica que eu fazia, lutavam por atuar até o fim e me ajudando inclusive a descrever ainda melhor os outros. Espero que não se ofendam.

Mas o fato é que tudo isso é irremediável. Balada é isso. É se divertir representando um papel, uma faceta que temos e que acreditamos ser a ideal para uma noite emocionante.

O que me enjoa é a mesmice das escolhas e a falta de interação. Mas, num mundo de orkuts, msns, blogs e tantas outras ferramentas de culto ao individualismo... Como é que isso seria diferente. Não é a toa que a política, a ciência, a religião e a ação ambiental são tão difíceis de serem escolhidas como um ideal pelas pessoas. Ir para a balada e vestir um personagem é muito mais simples e comum.

Mas as pessoas não lutam tanto para ser diferentes? Para chamarem atenção pela diferença que fazem no mundo? Ou serei eu uma pessoa ultrapassada?

A lua, a noite, e o feminino em mim ficaram gratos pela experiência. Pude ver que muita coisa mudou mas a beleza da noite urbana continuava intocada. Cheia de pessoas que encenam muita coisa, mas que continuam buscando pela energia que continua a lhes faltar. Ao ir para a cama com a luz do sol, o dia e o masculino em mim dormiram satisfeitos. O equilíbrio das energias me tirou a tristeza por também ter terminado a balada sozinha, apesar de meio Autêntica, meio Gordinha Palhacenta e meio Bacana. Afinal, apesar de todo o senso crítico eu também buscava a mesma coisa que a maioria disfarçava ali: Emoções fortes!

Passou a coceira na bunda? Vai pra balada!