terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O dia seguinte ao dia seguinte...

A tristeza ainda está aqui.

Como um fantasma pálido, sentado à beira da minha cama.

Vigiando o meu sono.

A cada pesadêlo que me faz saltar da cama de madrugada, lá está ela a me contemplar, me dizendo com os olhos cristalizados que ainda vai continuar.



Gostaria que passasse logo, que toda esta vivência será "Um mal que virá para um bem!" como dizem todos. Tem também os que dizem "Você ainda vai rir disso!". Ah e não faltam os que dizem "Isso passa! Vem coisa melhor ainda por aí você vai ver!"


As pessoas deviam ficar caladas quando não tem nada a dizer. Aprendi isso com o Cazuza!


Foi uma matéria chocante, capa da revista Veja de 1986! Foi quando ele assumiu para o país que definhava nos braços da Aids. Eu tinha 15 anos e quase morri do coração ao ler cada parágrafo. A carga emocional era tão forte que ainda hoje me lembro de trechos inteiros da matéria.


Um deles foi da entrevista onde o próprio Cazuza contava que havia pessoas que ficavam na baia do palco onde ele fazia os shows já bastante consumido pela doença e que quando ele passava diziam: "Força Cazuza! Você vencerá!", e coisas do tipo e que ele mandava a todos tomar naquele lugar (fico meio sem graça de repetir onde). Foi tão chocante para mim naquela época. Eu seria uma dessas pessoas que diria essas malditas frases feitas típicas de quem não sabe o que fazer mas precisa dizer alguma coisa apenas por si mesmas para aplacar a própria impotência.

Lembro-me também que conforme fui lendo a entrevista e o Cazuza descrevia a sensação de quem estava naquela fase do caminho usando toda a precisão do poeta conteporâneo que ele era, algo foi tocado profundamente dentro do meu eu... Jurei para mim mesma nunca mais falar essas malditas frases feitas! Eu tinha 15 anos e já entendia que o silêncio muitas vezes é uma arte e uma ciência ao mesmo tempo.

O próprio Cazuza fala isso em suas músicas. E é verdade! O efeito é pior! A frase feita tem o poder de distruir tudo o que é belo e misterioso com duas palavras e meia. O encanto se quebra. Dá pra sentir um muco se formando no estômago. O ciclo energético se rompe. Tudo fica tão insípido que de fato dá vontade de reagir como o Cazuza falou. Mandar tomar naquele lugar!

Nas voltas da vida, quando é a minha vez de contemplar o sofrimento ou o fracasso de alguém, o que procuro fazer é simplesmente me calar, tento de verdade apenas ter percepção entre o que eu gostaria de fazer e o que aquele que está prostrado a minha frente precisa que eu faça. Há um diferença tão grande entre esses dois mundos!

Gostaria de poder olhar profundamente nos olhos desse alguém, se possível tocar sua mão, talvez tocar seu rosto e praticar um silêncio fraternal. Gostaria de mentalmente mandar toda a energia harmoniosa que pudesse. Abraçar forte talves e quem sabe até derramar mais um pouquinho do meu amor. Sei que nenhuma palavra é boa o suficiente. Apenas acalentar com expressões de concordância, de amenização seria um bom começo, além de, o mais importante: ouvir!

Nada de frases feitas! Nada de saídas instantâneas! Nada de indelicadezas ditas ou feitas sem pensar! Nada de querer fechar a questão ou finalizar a situação só pra me livrar logo de um mal momento! Simplesmente estar lá! É isso o que eu gostaria de fazer por alguém que fracassou e pede meu auxílio. É isso o que eu gostaria que fizessem por mim!

Posso fazer uma lista infindável das atrocidades que já ouvi nos últimos dias. Todas dignas de fazer o Cazuza muito provavelmente mandar pro mesmo lugar com toda a sua ironia e escárnio de cantor e poeta. E a linda variação de bateria que introduz sua obra prima "O tempo não para", faz o riso jocoso brota em meu estômago e tudo fica ácido e se transformando lentamente em gargalhadas de um humor negro profundo. Piadas emergem da minha mente sem controle algum. Julgamentos sumários, mentiras, ódio destilado, tudo atirado ao chão pela minha boca maldita faz a terra tremer. As pessoas riem mas é meio riso. Só até o tempo da idéia cristalizar na mente e perceber que não há graça. Que é sombrío!


Um diálogo felino aqui, uma estocada ali. Minha face de perdedora fica crispada pela lâmina dos inimigos, mas minhas garras triscam no chão quando ando com os braços junto ao corpo. Não vou deixar barato. Por mais que esteja sofrendo e que os dias pareçam anos. Não vou me curvar a isso! Não vou me entregar calada! O escárnio e a ironia são o veneno que cintila na ponta de minhas garras!


O dia seguinte ao dia seguinte da grande perda deste ano é uma agonia que se arrasta lenta e pesada. E o outro dia consegue ser ainda pior. O tempo ganha outra lógica de moção. O cinema nos deixa mal acostumados com a passagem do tempo. É muito mais lento do que aparenta. A contemplação da dor é longa, profunda e faz os segundos terem uma passagem velada pela tristeza que parece infinita, forte e imutável.


Não é tão simples esperar o tempo passar nessas condições. Os pesadêlos não permitem o sono. O corpo dolorido pela tensão noturna sofre durante o dia. A mente luta pela sanidade em meio a tanta gente louca para te afundar um pouco mais, além dos outros que tentam ajudar e só pioram. Sem falar nos que se alimentam da tristeza alheia! Criaturas inferiores e desprezíveis!


O dia seguinte ao dia seguinte é uma luta pela sobrevivência, pois se sobreviver à derrota no primeiro dia parece impossível, reerguer-se e manter-se de pé nos dias seguintes é surreal! As batalhas incessantes contra os golpeios da mente e o tremor da carne do corpo que só quer se atirar ao chão são enormes. Apenas se entregar seria o melhor a fazer... Deixar-se cair, deixar-se levar, deixar o corpo e os ossos se estabacarem no chão e permitir a enxovalhada de golpes do inimigo a se aproveitar da fraqueza do oponente derrotá-lo certificando-se de que não se reerguerá mais.


Nas batalhas entre os índios, o combatente espera o oponente caído se levantar e lhe voltar os olhos para o golpe final. Enquanto o oponente ainda se ergue haverá luta. É tão considerando desonroso ficar deitado e desistir quanto atacar quem está caído. Espantoso como a chamada civilização se tornou em muitos aspectos, um culto à covardia absoluta e à falta de ética, moral ou escrúpulo.


Hoje eu sou o corpo que caiu e tenta se reerguer. Meus músculos retesados pela dor se contraem tentando buscar força para expandir e me levantar do chão de lama desse pântano de tristeza que tomou conta de mim desde o minguar da lua. Os olhos dos meus inimigos estão pregados em mim, insandescidos para que eu volte a me deixar cair ao chão para que venham até minhas costelas com ponta pés!


Mas meu olhar se ergue e os encara a todos.


A tristeza me devora e a humilhção me faz titubear.


O dia seguinte ao dia seguinte é mais uma chance do inimigo te destroçar outra vez em uma fraqueza nova procurada sistematicamente. E a justiça cega e de mãos ocupadas nada pode fazer se a vítima não consegue recorrer a ela.


Hoje eu sou a vítima. E cada lágrima que derramo. Cada frase triste que escrevo neste post é um golpe a mais que me convence que me deixar cair é melhor. Talvez de fato o seja. O cansaço e a fadiga me tomam os músculos e ossos doloridos. A tristeza me embebeda a mente e a sonolência é um convite ao sofá, ao transe da tv e o vazio, o oco doloroso de contemplar o tempo a passar sem reagir.


Hoje eu ainda sou triste e triste serei no dia seguinte a este como fui no primeiro dia em que perdi uma das maiores batalhas da minha vida. E caída ficarei e ferida serei até que a vontade de viver me faça me reerguer outra vez.


Quando será não sei?

Nesta eternidade de dias seguintes... Qual será o dia do fim desta agonia.

Não enxergo.

"Vai passar!" dizem todos. Frases feitas são fáceis de serem ditas àquele que está atolado até as orelhas no pântano da tristeza.

Coragem é enfrentar cada minuto de agonia até as forças voltarem e ver o tempo passar te roubando cada sopro de vida e esperança que ainda lhe resta!


Frases feitas são fáceis de serem ditas.

A vida é para os bravos! Os que não precisam de palavras!

Guerreiros se reconhecem pelo olhar!

Guerreiros sabem que o dia seguinte será pior e que não há palavras suficientes para expressar isso!

Viver é um ato de coragem ao se saber disso.

Poucos sabem disso.

Não há férias, não há verão, não há fim de ano que baste. A batalha permanece lá e mais dia menos dia será a sua vez de ir para a frente dela.

E então o que você escolherá para o dia seguinte:

A frase feita ou a ação certa?


Afinal como diria o nosso amado poeta Cazuza: "O tempo não para."