domingo, 3 de outubro de 2010

back in the high life again

Como quase todo mundo sabe, gosto de posts com uma trilha sonora para acompanhar.

Quase sempre sugiro algo para meus leitores como música de fundo para a leitura, muitas vezes porque letra, música e arte se misturam com a vida e por isso, tal música combina com tal momento e tudo o mais, como uma legítima trilha sonora cinematogáfica deve ser!

Mas a verdade é que a minha mente custa a ficar em silêncio.

Sempre houve a busca pela trilha sonora perfeita para o momento em questão e em quase todos os momentos da minha vida.

Não sei se isso se deve à radiola e à vitrola sempre presentes em minhas memórias de criança mais antigas, talvez se deva também ao surgimento dos clipes de tv para os grandes sucessos do rádio e dos discos nos anos 70, que me fascinaram desde Penny Lane dos Beatles. Ou se foi Tommy, a ópera rock mais fantástica que já assisti na vida! Mas raramente minha casa está em silêncio, raramente estou sem fones de áudio em meus ouvidos, mesmo que seja para buscar pães na padaria e quando a bateria descarregou e estou longe de casa, em poucos instantes a mente abre seus arquivos e sempre salta a música perfeita que vai direto para a boca, vergonha no ponto de ônibus.

Já me disseram que parece que eu estou em um videoclip quando começo a cantar, já apontaram pra mim no palco quando faço apresentações ocasionais com as bandas de última hora com colegas de trabalho e alunos.

Sei lá... Talvez seja fake... "Poser!", grita a concorrência... Talvez seja só o meu processo... Já cansei de investigar tudo o que é comportamento recorrente e meu! Quer saber? Cansei de bancar a psicóloga de almanaque comigo mesma! Eu vivo num clip, num filme do tipo musical mesmo! E pronto!

E hoje a trilha sonora é de Steve Windwood, música: Back in the high life again.

Pois é! É tempo de celebrar! Aliás a semana toda foi uma celebração leve e constante, como que voltando para um ideal de vida mais elevado, leve, cristalino... De novo... Como diz a belíssima letra da canção.

O momento é de volta pois por muitos anos carreguei um fardo de medo e vergonha que me dragaram as forças vitais. O motivo desses sentimentos jaziam em uma grande muralha que eu tinha que cruzar, a maior das muralhas do caminho (ver post De volta à estrada), o que me apavorava me fazendo fugir dela criando outras em outros caminhos.

Hoje, finalmente cruzado o obstáculo, consigo ver com a adrenalina baixando suavemente a cada dia a simplicidade da vidal Aquela que sempre percebemos após as grandes batalhas. Gostaria mesmo de ter essa visão nos momentos difíceis do caminho, mas aparenemente isso faz parte da nossa memória animal fadada a repetir os erros do passado esquecido.

Quem está na tempestade custa a se lembrar dos céus azuis e ensolarados dos dias felizes. E uma tempestade de tantos anos de fato custa a se desfazer na mente e no coração.

Adiei meus compromissos de formação universitária por muitos e longos anos, paguei o preço altíssimo de chegar a maturidade sem ter me graduado no curso que mais amei. Já me graduei uma vez com regularidade em História em uma formação meio a contra gosto por motivo de falta de auto realização. Uma escolha ainda pouco maturada. Mas foi a contento. Considero meu segundo curso, a Geografia, a minha verdadeira matriz intelectual e científica.

Talvez por isso tenha demorado tanto. A cobrança de quem se encontrou no caminho tendo como resultado uma busca sem fim pela excelência. Um questionamento sem fim, um fazer e refazer trabalhos, ler e reler bibliografias, fazer e refazer trabalhos de campo, tudo em busca de excelência. Por isso e tantos outros excelentes issos mais, conta-se da concepção à finalização do projeto de graduação: 10 anos!

Caramba! Hoje já poderia ser doutora! E assim como enrolei magnificamente nos textos deste blog para tocar neste assunto, enrolei ainda mais magnificamente para entregar e defender meu trabalho de conclusão de curso de bacharel em geografia.

É gozado conversar com os colegas de departamento sobre isso. Os que já defenderam concordam que o alívio é incrível, mas que as dores da pós-graduação são ainda mais terríveis e portanto, incomparáveis. Os que ainda não defenderam vidram os olhos e se calam, no pânico de saber que mais um colega "empacado" já defendeu e que agora a situação vexatória é só dele e que ele não tem mais o velho companheiro para chingar o departamento, a faculdade a universidade e a vida, só para desabafar e escapolir das velhas frustrações.

Colegas de outros departamentos e faculdades invejam não ter defesa de graduação para fechar o curso que estão fazendo ou que já fizeram. Vejo nos olhos destes uma inveja leve e silenciosa. Agora nas águas calmas do pós-defesa não fico mais arguindo, gritando que eles são felizes por não terem uma defesa de final de curso para fazer, que eles são "felizes e não sabem!". Hoje mais do que antes da grande batalha acadêmica da minha vida até o momento, defendo o trabalho de graduação individual para a formação de um estudante de ensino superior. Mesmo sabendo das agrouras, da agonia, da super auto cobrança, da loucura, da euforia, da depressão e da covardia que assolam a cabeça do pesquisador em sua primeira empreitada oficial e examinada de sua carreira.

Foram dez longos anos de fuga e retorno, de viagens de campo e viagens de fuga, de amores ganhos e perdidos para a pesquisa. Sou a piada da turma, a curiosidade pitoresca do momento no departamento! Mas pouco importa. A leveza com que sinto a vida transcorrer pelos dedos de minhas mãos agora não é mais a tristeza de quem perde o nectar da vida, com as palmas viradas para cima e sim quem tem as mãos em forma de garra com a palma virada para baixo, escalando uma verdadeira queda d'água de felicidade.

Podem rir os bons e velhos inimigos, afagar e disfarçar os bons e velhos amigos. Chego com década de atraso, mas chego! Enferrujada, mas não morta! A vontade de simplesmente seguir em frente e fazer valer o tempo perdido me faz cravar as unhas na rocha com mais sagacidade e subir com a cachoeira partindo o véu em meu pescoço sem arquejar.

Disposta a pagar pelo que não aproveitei e pelo que não fiz, eu volto à alta roda da vida, como canta a música de Steve Windwood. Volto com mais idade, mais kilos sobre os ossos e medos mais paralizantes do que nunca! Porém com a mente leve de quem apenas quer chegar sem se importar mais quando.

E para todos aqueles que se sentem em débito consigo mesmos de alguma forma. Sejá lá um vestibular, ou mais. Um curso que não terminam, um casamento que não encerram, um filho que não assumem, uma verdade que não aceitam, ou tantos outros fantamas que nos caçam, digo que não se preocupem. Saibam de alguém que fugiu da vida por uma década que também é possível chegar, mesmo mais tarde, mesmo pra lá da metade do jogo. Saibam também que muito provavelmente não será nem um minuto a mais nem a menos do que deveria ser. E saibam ainda que a chegada se dará na forma de alguém que certamente sabe do valor do que alcançou e saberá valorizar o que vem muito mais do que todos os outros que passam pela vida tão rápido que nem a viram passar.

É claro que as custas da fuga foram, são e serão sentidas por muitos anos, talvez pelo resto da vida, muito provavelmente. Mas não se cobrem, há os ganhos dos outros caminhos percorridos e certamente são pontos que também são computados na corrida da vida, apenas de outra forma.

Aqueles que apenas se preocuparam em chegar primeiro também tem seus méritos e defasagens. Ouça as críticas com compaixão, eles também terão esta preciosa visão algum dia.

Desejo a todos os colegas que como eu emperraram na vida que não temam, não se sintam apressados ou obrigados a sair de suas condições só porque a amiga mais atrasada cumpriu suas tarefas, respeitem seus medos e aquietem-se, ouçam suas mentes despertarem e sacudirem seus corpos na hora certa. Acredito que só assim sentirão a certeza inabalável daqueles que sabem o que vieram fazer aqui no caminho por si mesmos e não porque alguém despertou. Acretido também que não importa quando esse momento virá, acredito que ele já está lá só a espera de que estejam prontos para agarrá-lo.

Quanto a mim, ainda estou na maré de sizigia da euforia, vendo o dia passar com o doce som da calmaria, assistindo ao brilho da esperença voltando a deixar cair o véu da paz sobre as coisas perturbadoras da vida. Um verdadeiro bálsamo merecido, sem esquecer porém que muito em breve o véu se erguerá e um novo desafio se cristalizará no horizonte para ser vivido pelo guerreiro em mais um bela batalha pela evolução!

Encontro vocês por lá, no campo de batalha, na alta roda da vida, de novo e em breve!

Abraços armados!

Angélica