sábado, 27 de fevereiro de 2010

O primeiro vento frio

Atenção Post Antigo!!! De 27 de fevereiro!!!! ((((((((((Jurava que tinha publicado!!! Sorry!!!))))

Hoje meus músculos gritaram uma sensação que já não sinto faz algum tempo.

Depois de uma verdadeira insanidade de calor insuportável se arrastando por tantas noites, finalmente um vento gélido varre os céus de aquarela cinzentos subtropicais e o peito se enche de ar frio mais uma vez.

Brigar com as estações é uma prática inútil de quase todos nós, principalmente no auge das características de cada uma delas, quando nos aborrecemos com o seu poder absoluto.


Como seguidora de uma aliança com os quatro elementos, o sol, a lua, as lunações e as quatro estações tenho que cumprir meu papel e dizer que me empenho em fazer as pazes com todas elas.

Sempre temos a nossa estação do ano favorita. No meu caso a escolha era de acordo com a ocasião, como todo mundo. O verão na infância, que coincidia por todo o período de férias escolares naquela ocasião (talvez fôsse por isso!). Íamos a praia, ao sítio, à cachoeiras e rios. Eu tinha um batalhão de amigas com suas bicicletas e nós cobriamos o bairro inteiro com nossos walk talkies e em eterna guerra contra os meninos (meninos blahhhhhhh!).

Na adolescência a minha paixão pelo rigor do inverno era enorme. Havia muitas roupas para usar de uma só vez! Adorava botas, casacos, cachecóis e luvas. A maquiagem durava mais! Todos aparentavam mais elegantes e calorosos uns com os outros. Mas o que eu mais amava eram os céus de chumbo (naquela época eram chumbo para mim... Alguma associação?). Ficava horas no topo da colina quando morava em outro bairro com uma vista enorme, antes da invasão dos condomínios residenciais restringir tudo com prédios em toda a parte. Dava para ficar olhando os tons de chumbo sendo moldados pelo vento no céu por horas.


Ao final da adolescência percebi que a meia estação tinha um certo charme e fui cativada pelos dias frios com a luz dourada do sol contrastando com o primeiro vento quente após o final do inverno. As cores tinham uma outra definição, principalmente no nascente e no poente do sol. E a lua! Ahhh! Um disco prateado quando cheia, que percorria o meio do céu e iluminava todo o meu jardim durante o outono (e ainda o faz!). Todas as minhas queridas frutíferas e arbustivas ganhavam um véu prateado azulado sobre o verde musgo da noite!


Todas espetaculares! Todas as estações! Procuro adorá-las pelas belezas que nos oferecem e pelo seu poder absoluto no auge de seu período quando me deixam exausta com seus exageros.


Mas se hoje há algo que posso dizer que aprecio mais do que tudo. Se posso destacar algum detalhe desta paz que é buscar a conexão e a compreensão total com cada uma delas após tantos anos de reclamações inúteis, esse algo é o momento da passagem.


Sim! Logo em seguida ao auge de uma estação. Vem finalmente o primeiro sinal de mudança. Não é tão simples quanto parece e requer observação pois se trata de um momento, um único sinal, indelével, quase imperceptível. Talvez um sopro um pouquinho mais frio quando a madrugada começa a terminar nos últimos e agonizantes dias de verão. Por vezes uma coloração diferente no por do sol com o acréscimo de tons mais frios e rosados ao final do outono. Ou então a mudança no canto dos passaros que visitam o jardim quando começa a amanhecer mais quente pouco antes da primavera. A alteração do desenho dos galhos e das folhagens com a mudança de direção do vento no início do outono. Ás vezes mudança nos sons dos mensageiros do vento estrategicamente pendurados pela casa quando o verão finalmente começa a sua longa marcha de retorno.


Essas sutilezas podem nos escapar porque estamos concentrados demais em nós mesmos e em nossos anseios do que no entorno. Só percebemos o auge das estações porque sua força máxima interfere na realização do culto do self. Reclamamos das chuvas porque não podemos sair de casa, do calor porque não conseguimos dormir, do frio porque não conseguimos trabalhar. Porém, suas sutilezas nos escapam porque não estamos habituados a exercitar os sentidos e a percepção para o meio que ocupamos quando seus sinais são quase imperceptíveis e desaparecem na corrida pelo individualismo excessivo, provável marca maior do nosso tempo.


Nos tornamos verdadeiras bestas sem orientação. Mal sabemos onde o sol nasce, que constelações vão passar a cruzar os céus daqui a 3 semanas quando o equinócio chegar... Equinócio? Equinócio não é coisa de prova lá da escola? De questão de vestibular? Ah sim! Equinócio é um dia de passagem das estações! Mas que estações? Esse tempo anda tão louco?


A perda do referencial nos custa caro! Ondas de gripe, vírus cada vez mais poderosos, alergias e inflamações variadas terminadas em ite! Tudo somado a poluição criam um universo a parte, atirando a todos em suas casas e gerando uma série de equipamentos e materiais de consumo porque não conseguimos mais viver cada estação apenas com nossos corpos e nossa resistência natural. Natural? O que é natural? Ah claro! Natural é uma linha de produtos de uma secção do hipermercado!


Por isso hoje, quando um vento mais frio soprou, fiz questão de sair pra rua com pouca roupa, como se o calorão da semana passada ainda estivesse ali. Só para sentir o ar gelado eriçar todos os pelos à mostra, só pra sentir meus músculos endurecidos serem lavados pela corrente sanguínea que inundou o meu corpo, só pra deixar o vento bagunçar meus cabelos e fazer meus olhos lacrimejarem. Ouvir o barulho das árvores sacudidas pelo vento pesado. Ver os céus de aquarela mudarem de forma rapidamente.


E me sentir viva! Muito viva!

E festejar mais um verão que, ao fim de mais um auge, já começa a dar sinais de que como todas as outras estações e todas as bestagens e obras primas dessa vida, também vai embora!



Abraços gelados a todos!