quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Blue Noites

Hoje, logo que cheguei em casa, atirei a bolsa no sofá, a pasta na mesa da cozinha, os sapatos no canto do quarto e o corpo na cama.
Busquei a trilha sonora certa nas gavetas da mente, uma pequena obsessão pela música certa para cada momento do dia. Era uma daquelas noites em que a vida parece um filme com a música perfeita sempre aparecendo na hora certa.
No filme da minha vida, na cena da noite de hoje, escolhi um Blues que logo que começou a tocar fez todos os músculos começarem a relaxar e a mente a questionar.
O que fazer com os dias que são verdadeiros fardos e as noites terríveis em que o doloroso cansaço nos devora?
Penso nas mulheres e homens dos tempos primitivos, que exaustos sucumbiam ao sono profundo rapidamente, pelo trabalho árduo com a terra e cuja única preocupação talvez fosse viver dignamente sobre a Terra.
Hoje vejo homens e mulheres invertendo papéis e sofrendo toda a agonia e o êxtase das perdas e ganhos que essas inversões lhes trazem. Vejo o mesmo trabalho árduo, mas vejo apenas sobrevivência e pouca dignidade.
Bloggs são importantes porque neles as palavras tem um efeito um pouco mais prolongado do que a fala. Pessoas pensando, escrevendo , registrando idéias e tendo a coragem de se posicionar, de errar, de reler e se refazer. Finalmente algo digno!
Mas ações não são passíveis desse processo! O que está dito está dito! A energia já foi gerada. Um texto ruim pode ser editado. Palavras mal escolhidas e ditas na hora errada são mais difíceis de serem substituídas.

Pode aparentar despeito, mágua, rancor. Mas eu acredito na força das palavras. Eu acredito que quando a boca das pessoas se abre, dela não saem somente sons mas energia. Acredito que a fala é geradora de verdadeiras tempestades elétricas no cérebro dos outros e sempre que exaltamos o outro ou o magoamos profundamente provamos desse poder. Mais do que isso, acredito que nos apoderamos dele, manipulamos a partir dele e quando não atingimos nosso objetivo ou o preço é alto demais por um mero momento de êxtase, negamos sua existência ou tentamos reduzir sua importância com palavras do tipo cliche que são ainda mais mortíferas como "eu não sabia que causaria isso", "não imaginava que isso aconteceria" e outras tantas e piores.

Acredito que para esses momentos, de perda, de desapontamento, quando sucumbimos à fadiga da mente e do coração, a melhor trilha sonora dessa verdadeira cena de cinema é o Blues.

Para mim o Blues é para momentos blue, uma tristeza charmosa, que devora tudo numa dor deliciosa, que faz os olhos arderem, mas não derramarem. Uma contemplação silenciosa e elegante da própria derrocada. Uma perda digna que traz um sorriso dolorido e a voz interior que te fala vibrando a carne e os ossos "você já sabia que isso aconteceria". Somos viciados e nos sentimos poderosos, mas esquecemos que os outros também podem destruir afeições imensas com meras palavras mal escolhidas.

E a noite vai se arrastando. Um mp3 ou 4 pra ajudar a externar a música que já tocava na cabeça, talvez um banho quente, a luz mais suave de uma luminária, um incenso adocidado para embalar a dor e esperar o sono chegar para quem sabe parar de pensar. Muitas vezes não dá para reagir, melhor esperar a maré ruim recolher tudo e no recúo das ondas caminhar pela praia da mente e reunir o que sobrou para recomeçar.

Mas com dignidade por favor! Afinal Sizígia é a Maré Viva! É o Sol, a Lua e a Terra alinhados. Se o mar virou, bravio, se alguma energia foi desencadeada, sempre há um motivo gerador, a natureza da Terra e a natureza humana caminham juntas, assim como a maré das palavras que me derrubaram hoje teve sua razão de ser.

Talvez algumas coisas precisam ser destruídas para que outras se formem em seu lugar nesta eterna luta entre masculino e o feminino dentro de cada ser humano precisam brigar para demarcar seus espaços e se respeitarem mutuamente para a harmonia psíquica. O nocaute foi poderoso e hoje não vou reagir. Hoje sou triste. Charmosa e sexy espalhada na minha cama ouvindo um Blues na minha Blue noite. Amanhã eu reajo.

Mas só amanhã.
Boa noite.