quarta-feira, 27 de maio de 2009

Concrete Blondie

Como sempre as músicas vão permeando as cenas da vida.

Criaturas das telas que somos todos nós... Quem escapa? Telas de televisão, telas de cinema, telas de computador sempre estão a nossa frente, seguimos ouvindo, fugindo...



Gosto das telas de cinema.

Gosto de apreciar as cenas da minha vida como se fôssem um punhado de curtas metragens. Com uma trilha sonora pra embalar as falas.

Uma cena dramática ou uma fantasia bem apetitosa! Um belo cenário e pronto! Está feito mais um sucesso vicioso a se repetir em minha mente.



Me lembro desse vício ter me consumido boa parte na infância. Minha mãe me contou umas mil vezses sobre a professora se queixando aos meus pais sobre sua aluna que vivia no "mundo da lua". Quantas risadas já dei da série de mesmo nome que foi ao ar pela TV cultura alguns 20 anos depois!


Gargalhadas ecoaram ainda mais alto quando li que as habilidades de visualização de um bruxo começavam pela imaginação fértil na infância.


Acredito sermos todos bruxos!

Muitos já sabem disso e se exibem orgulhosos de seus feitos.

Outros buscam desesperados o que acreditam ser um representante da velha arte.

Nem todos sabemos de nossas aptidões ou do que elas significam e refugiarmo-nos em nossas fantasias torna-se convidativo o tempo todo. Até a realidade e o desejo se misturarem em devaneios e delíros difíceis de largar, até que não sabemos mais o que é sonho, o que é visão e o que é real.



Que belo cardápio para uma tarde de quarta feira de maio, chuvosa e fria!

Olhar o céu cinzento, farfalhando com o vento, com tantos tons de chumbo e sentir os olhos arderem, os lábios incharem e a mente inflar de idéias para histórias inteiras de viagens, heróis e heroínas, amor e sexo, competição e guerra.



Orientada pela música certa a mente faz proliferar imagens, nomes, situações e a criação vem preenchendo horas na frente da tela do computador ou no caderninho levado a tira colo para esses momentos: A cabeça cheia de sonhos derramando feito uma inundação.



Hoje consegui me lembrar do nome de uma dessas músicas certas: "Heal it up", do Concrete Blondie. Uma dessas em que o vocal vocifera longamente e te faz arrepiar de inveja e brincar de play back com o tubo do desodorante pelo quarto! kkkkkkkk!



Anyway! Que trilha sonora!

Quando ouço esta música e em minha atual fase do caminho, vejo um carro negro, modelo antigo, disparando veloz pela estrada, contornando uma serrania de matas verdes, com o mar arrebentando os rochedos logo abaixo e sob o mesmo céu cinzento farfalhante que está sobre minha cabeça enquanto escreve este post.

Vejo os cabelos ruivos de uma motorista enfurecida esvoaçando, suas luvas de couro agarrando o volante, seus olhos negros apertados pelas pálpebras tensas e seus dentes cerrados a encarar a estrada com uma fisionomia típica de uma mente em tempestade.



Para trás mais um amor perdido, mais uma traição, mais uma decepção. A cada marcha trocada do carro, mais um gemido abafado, mais um pedaço do coração que se parte, mais um choro abafado pela fúria. Uma sensação de desencantamento com a vida e com as pessoas, embalado pelos gritos sem fim de um ferida aberta que lhe rasga o corpo astral da base da gargante até o baixo ventre de onde um líquido verde fosforescente derrama de forma tóxica e escorre por entre as pernas, se espalha pelo assoalho do carro e verte pela estrada em um fio que aos poucos vai se transformando em jorro abundante e ácido. O estranho líquido ferroa ao sair, como líquido aminiótico de um monstro de mágua prestes a ser parido pelo desespero de mais um coração partido a vagar por mundo sem retorno do amor dado com tanta devoção.



Quanta dor a cada contração para a expulsão dessa criatura maligna: o amor pervertido, transmutado em mágua, em ódio e em fúria. Seu sangue verde ácido se esvai pela estrada e sua portadora segue rangendo os dentes e apertando os olhos para permanecer na pista, dirigindo aquele carro afogado em mágua, suas mãos seguem torcendo o volante esperando que todo esse parto de mal agouro saia de vez de seu corpo, deixe sua alma e mente em paz enquanto o carro desliza em mais uma curva da estrada cinzenta.



A estrada já está coberta do veneno verde que a consumia e depois das lágrimas pela dor lascinante aflorarem em seus olhos, o riso desconcertado, doentío lhe toma a boca. Entre a sanidade e a loucura ela se torna ciente de que só haverá leveza novamente quando todo o peso se for. Quando a criatura for libertada sem apêgo sem dor. Seus olhos se fecham e o sentimento é derramado dessa vez sem dor, sem culpa, sem apego e se esvai pela estrada, derramando seu resto de fel por toda a encosta da serra abaixo, indo dar no mar.



Redimida a motorista segue viagem aliviada.

Seu corpo e mente se refazem e a estrada passa a clarear com uma luz dourada de um sol que agora quer sair de trás do chumbo das nuvens. Agora os cabelos da motorista estão dourados, seus olhos se abrem verdes como o mar e seus dentes se destravam em um lindo sorriso pois sua alma está novamente cheia de paz.



Uma alma curada!

"... heal it up..."



Bye!