terça-feira, 1 de novembro de 2011

Esperando pela promessa

(Ouvindo "If god will send his angels" do U2...)

Nos dias mais difíceis, quando a tristeza se agiganta, uma das minhas antigas visualizações ganha força.

Em um determinado cantinho da minha mente - onde a imensidão azul-escura e gelada do oceano mais antigo do planeta Terra é silenciosa e aquarelada - gosto de me colocar a beira de um abismo negro que rasga o assoalho em uma fenda negra apavorante que me olha de volta tal qual Friedrich Nietzche escreveu em uma de suas mais poderosas frases:

"Quando se olha muito tempo para o abismo, ele olha para você." (Além do bem e do mal)

Enquanto meus cabelos se enrolam em minha cabeça feito algas e eu estou prestes a me deixar levar por esse olhar, tento me perguntar sempre, como última conversa com o meu self antes do salto:

O que me impediria de saltar por hoje?

Esta visualização é na verdade uma medida desesperada quando a televisão não hipnotiza, a infovia não realiza, o livro não segura, a escrita não cataliza, cantar é só lágrima e dançar é só dor.

Não dá mais para ligar para alguém porque não se suporta mais dizer de si as mesmas coisas. Ir a casa de alguém pra fazer o mesmo então... Por que?

Quem suportaria de novo?

Mais uma vez quem eu quero não pode me querer... Hoje não... Tem seu abismo para olhar também e, como eu, não gosta de companhia... Não hoje.

O que me impediria hoje?

A fantasia já me ajudou a deixar de saltar tantas vezes!

Dinheiro, posses e conquistas materiais foram alternativas fáceis que muitas vezes funcionaram e fizeram seu papel por um tempo, nos anos em que me iludi e tanto com o vil metal.

Fantasias intercaladas ou em parceria e sempre com o poderoso e imbatível amor!

Ahhhhh esse ganha de longe! A fantasia do grande e poderoso amor! Tantas vezes e a tantos oráculos atrás anunciado que me cansa só de repetir para mim mesma a promessa que nunca vi cumprida e que - sem birra e de verdade - começo a acreditar que o delírio e o medo é que acalentaram uma baita ilusão!

Mas foi gostoso acreditar que ele chegaria... Como um final de novela concertado nos últimos 5 minutos do último capítulo, logo após a protagonista ter sofrido o último quinhão da trama inteira... Ah como é boa essa piração do pódium de chegada e do prêmio pelo sofrimento acumulado com dignidade!  Como foi bom acreditar nisso! Me poupou de muitos saltos para a escuridão e me resgatou de várias tentativas.

Das outras tantas fantasias, as que incluem viagens são as que realmente satisfazem.

Já tenho vários roteiros prontos. Alguns até com detalhamento modal de transportes e estudo de custos! E assim vou deixando para saltar outro dia...

Peço ajuda, clamo pelos Deuses e seus mil nomes...

E recebo sinais belíssimos! Minha fé é sempre muito compensada, porque é tão profunda e verdadeira quanto o oceano figurativo lá do cantinho da minha mente ao qual me referi.

Porém, grande também é o meu cansaço.

Meus sistemas de fuga muitas vezes falham por excesso de uso. Por isso é bom observar o que há de novo por aí.

A internet me cansa! Os excessos de individualidade cruzaram o vulgar e o banal a tanto que sinto-me enfadada no primeiro minuto! Com raras exceções é claro!

Tenho sorte por gostar de ver filmes de novo e de novo... Mas a dor no corpo é de matar depois de algumas horas e após algumas semanas já não satisfaz mais.

Mas há uma luz ou outra vez em quando...

Pessoas que querem romper este ciclo cheio de manias vazias.

Como um casal de amigos que procura com muito esmero pela evolução espiritual fazendo uso de inúmeros artifícios incríveis e admiráveis.

Um deles é o de escrever frases em pequenas tiras de papel colorido e espalhar pela casa!

Alegres e brilhantes, as tiras apresentam frases que falam de fraquezas terríveis que todos nós temos e de novo eu fiquei encantada em ver a sequência das minhas respostas à pergunta lá da beira do abismo da mente, sob um outro formato:

- Gastos excessivos
- Ilusões contínuas
- Fugas repetidas

Adorei e escrevi a minha primeira frase em uma tira de papel, após muita análise para escolher poucas e sábias palavras. O mantra perfeito:

Abra mão do que te faz infeliz.

Boa não?

Essa seria a melhor resposta para não saltar, para nem estar lá na beira do abismo que me olha de volta, nem no fundo do oceano azul-escuro, profundo, tranquilo e aquarelado da minha tristeza.

Tenho que largar a promessa! A promessa de que o amor virá!

O amor não tem que vir. Tem que estar comigo.

Trocar a TV por poesia. O livro triste pelo livro de alegria. O texto destrutivo pelo reflexivo. O telefonema repetitivo pela conversa de outros assuntos. A ansiedade pela caligrafia. A repetição das mesmas idéias por uma caixa de lápis de cor e projetos e planos para colorir. Os pensamentos negativos por frases de cultivo de boas práticas mentais para pendurar pela casa. Chocolate por uma xícara de chá. Cigarro por incenso. Praguejos por mantras. Desespero por música. Autoflagelação por dança.

Preciso curar a minha dor.

Dor por tanto amor desperdiçado em escolhas infelizes na obsessão por estar pronta! Pronta para o pódium, como se viver fôsse um grande campenoato onde a vitória é garantia pela cota de sofrimento vivenciada com dignidade. Pelo deus galhudo senhor dos céus! Que trabalho bem feito este dos valores judaico-cristãos-ocidentais-capitalistas malditos!

Desconfio que nunca vivi, que nunca amei e que provavelmente nem cheguei perto do que realmente são essas coisas. Tamanha a nuvem de ilusão que me envolveu tão cedo no caminho e pela qual me apeguei tanto e que agora começa a se desfazer de verdade descortinando uma realidade muito mais crua e perversa do que jamais poderia imaginar.

Acima de tudo desconfio que, quando me pergunto o que me impediria de saltar hoje para o abismo escuro do meu oceano de tristeza, não sou capaz de responder algo que realmente dependesse totalmente de mim.  Simplesmente não sei o que seria fazer algo realmente por mim sem as minhas doces ilusões.

Taí uma ótima pergunta para pensar um dia inteiro!

O que eu julgo que seria fazer alguma coisa por mim? Sem devaneios com fantasias idílicas!

O que eu quero? Sem ilusões arquetípicas!

O que me faria feliz? Sem me enganar!

Se me sinto culpada quando durmo demais, quando como demais e mais ainda quando amo demais...

Nem viciada em cigarro consegui ser, mal consigo me embebedar porque durmo ou passo mal ou, pior, fico louca com duas taças de vinho apenas!

Tóxicos! Tem as questões políticas claro, mas antes de qualquer perspectiva ideológica, minha alma se enoja com a energia horrorosa que isso tem e meus Deuses interiores desdenham dessas pequenezas.

Na mente tem-se o início de tudo, dizem os tantos mais velhos que conheci.

Cultivar pensamentos!

Belíssimo!

Mas não é um cultivo! É uma guerra! A tristeza é tão doce... O fundo do oceano aquarelado escuro é tão atraente. Cair no abismo como um grão a mergulhar na imensidão escura do ventre da Terra é tão... Convidativo!

Então... O que me impediria de pular hoje?

Por hoje foi escrever este texto... E me conscientizar de que tenho que abrir mão da infelicidade de uma promessa de amor que ainda não se cumpriu, dentre outras ilusões típicas da vida dos românticos.

E você? No oceano escuro profundo onde repousa a sua tristeza...

O que te impediria de saltar?

Abraços de aquarela para todos!