quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Tempo escorrendo pelas mãos

Último dia do ano...


Tempo de sobra...


Depois do ritual de passagem ao longo da estrada, viajando rumo ao local escolhido para o momento esperado, a chegada inicia outra série de relações com o tempo e o espaço modificando a contemplação do que se apresenta diante dos olhos.


Escolher onde passar o fim de ano pode custar caro demais.


Amigos com os quais se passa o ano muitas vezes não funcionam muito bem no final do ano e amizades creditadas como duradouras podem não sobreviver... Essa eu já esperimentei algumas vezes.


O lugar pode aparentar uma boa escolha, mas as armadilhas também costumam ser eficientes nesse item. Se for um lugar muito procurado o excesso de gente na fila para pegar a fila, somada à ansiedade pode ser uma combinação fatal. Isso sem falar no excesso de contingente e na oferta insuficiene que as cidades (turísticas ou não) oferecem. Um pós-reveillon sem poder escovar os dentes ou simplesmente tomar banho é pavoroso! Também já passei por essa! Mas só uma vez ok? E foi suficiente.


Já lugares vazios também tem suas agrouras... Não tem ninguém mesmo! Se for preciso alguma compra de última hora ou algum serviço urgente esqueça! Tá todo mundo no mesmo lugar (aquele que está explodindo de gente)! Portanto pra ficar sem perespectiva alguma em um lugar cheio de gente ou vazio implica fazer uma bela lista de provisões e escolher qual o sufoco desejado.


Planejar é extremamente importante! Antecedência é tudo de bom! Mas não se iluda! Alguém vai esquecer alguma coisa e o preço será pago por isso! Parece até ameaça não? E é mesmo!


Eu escolhi o seguro desta vez: família no interior! Nada de loucuras coletivas, brigas ou passar necessidades, muito menos os três juntos e em diferentes ordens todos os dias ao ponto de rezar "pra esse ano acabar logo!".


Ah que delícia! Chegar na casa das tias vecchias mais louras e loucas do que nunca! Minhas amadas e adoradas! A emoção da chegada, o cheiro da casa, que preserva muito das coisas da vovó misturadas com algumas modernidades como os eletrodomésticos tão depreciados nas conversas tecnofóbicas que ainda me lembro ter ouvido nas mesmas ocasiões de fim de ano quando vir era obrigação e não escolha.


Mas é bom ver o antigo e imutável! O tictac do relógio na sala, os frascos dos perfumes clássicos na penteadeira! Os babados de crochet na toalha do banheiro, combinando com as cores das estampas... A música caipira ecoando no rádio logo cedo, acordar de manhãzinha pra tomar café em família naquela mesa comprida que fica no barracão, perto do pomar e da horta! As louças do café da manhã, o bolo de fubá na velha assadeira com tampa... O chá a noite antes de dormir! O cheiro dos vegetais colhidos à tardezinha pelas velhas mãos habilidosas! O cuidado com a velha cadela, dócil e de olhar meigo: presente de um dos sobrinhos-netos: Keiko!


Claro que tem o preço certo? Dormir cedo todo o dia! Acordar cedo todo o dia! Não é uma obrigação é apenas necessário, pra não perder o pique da casa o que é de alto valor quando se está no estado espiritual compatível! Afinal logo após os fogos da passagem de ano (uns 12 minutos pra ser exata), cama! No começo é difícil... Mas até que pega-se o hábito fácil principalmente nesses tempos de contemplação. Para mim foi exatamente esse o facilitador! O prazer da contemplação!


Quando adolescente e até um bom tempo depois, a frustração era grande por não poder sair após os fogos, nem ter festa em casa até alta madrugada. No máximo um filminho com o volume bem baixinho pra não acordar as tias. Mas agora na maturidade (ou não? kkkkkk!), a percepção do que é preciso para ser feliz é outra.


Não acredito que seja a idade chegando ou saindo. Claro que tive vontade de ir pra rua! Mas a sensação de ir pra cama cedo, ouvir o tictac do relógio da sala e o cheiro do café da manhã fresquinho junto à três gerações de louras e loucas pela manhã é espetacular! É felicidade!


Louras e loucas porque é evidente que sofremos dos mesmos males em todas as gerações que ali estavam havia uma dose farta de beleza e loucura. Ser mulher no século 21 é coisa pra profissional! Imagine só para as minhas amadas que estão na estrada desde antes da metade do século passado? Sempre há o que aprender com essas verdadeiras mestras do poder feminino! Velhas lições que não foram assimiladas e que precisam ser repetidas! Afinal somos todas loucas, orgulhosas e satisfeitas por assim ser! Tradição de família!


É possível reencontrar tradição sempre quando convivemos todas nas temporadas de verão e feriados. Neste episódio de final de ano os flashbacks foram muito frequentes!


Nada se compara a ver a mesma cena vivenciada por você mesma a anos, décadas atrás, se repetindo com as mais novas da linhagem, quando diante dos seus olhos, o mesmo costume que era classificado como ridículo pela rebeldia dos tenros anos agora se apresenta como poesia! Por que? Porque o tempo relevou, porque a observadora mudou, porque a agente da ação também mudou... Mas nem tanto... Só o suficiente. E o mais importante... Porque é preciso! O entendimento cai como um véu que cobre tudo e dá a cena outra coloração, como um layer, uma nova cor que torna tudo tão harmônico, que as lágrimas afloram no olhos junto com o sorriso que explode na boca tentando abafar o riso pra não estragar a importância do momento.

Os antigos costumes devem ser preservados. É uma espécie de memória da família. Uma homenagem, uma verdadeira ode! Vi livros inteiros na forma de pessoas e momentos vivenciados nestes dias que chegaram a me inspirar bastante, inclusive para este post.


As velhas brigas de sempre, pelas velhas manias de sempre! O bom e velho temor explodindo na voz de gralha aos berros quando alguém fala ou faz algo inesperado ou que contrarie saberes ou a pequena ordem instituída.

Meu riso abafado e os olhos ardendo ao ver os olhos perdidos da minha sobrinha de 6 anos ouvindo sermão com a boquinha aberta iniciando seus passos em um mundo de uma ordem sutil e imperceptível que ainda levará provavelmente muitas broncas para se adaptar.

Os elogios que não devem ser aceitos nunca em nome de uma humildade absolutamente vaidosa típica, a hipersensibilidade que se transforma na vitória imbatível em qualquer discussão: o papel da coitadinha! Um verdadeiro ranking de coitadinhas que rugem como leoas assim que se cansam da personagem! Apelativas, pedantes, inteligentes, rápidas e muito hábeis em incendiar a reputação da outra em segundos com poucas palavras num cochicho entre um prato e outro a ser enxugado da louça do almoço.

Mas assim como o que é aparentemente perverso, o que é bondoso equilibra a balança em perfeita harmonia, o olhar fraterno quando falamos de nossas tristezas, o carinho no perfume e na cor dos lençóis postos na cama e no quarto especialmente preparado para nos acomodar, o cuidado em preparar o que comentamos no dia anterior como nosso prato favorito quando eramos crianças, cozer a roupa descosturada que comentamos descuidadamente ao tirar da mala, as palavras fortes nas horas difíceis, os elogios a tudo o que fazemos, a delicadeza de nos dar uma cópia da chave quando saímos para retornarmos tranquilas, a presteza ao nos explicar o caminho para os lugares que queremos visitar, o abraço forte e as lágrimas na chegada e o mesmo na saída. O prazer de nos mostrar as mudanças da casa e o gosto no uso dos presentes que demos. A voz tranquila nos dando idéias de como sairmos dos nossos problemas. O eterno amor e confiança a cada bom dia quando acordamos.

Eu atraquei em um mundo de doçura que me custou décadas da minha vida para perceber e muito provavelmente ainda não por completo. Foi uma passagem de ano muito emocionante que me comoveu como nenhuma outra, pois eu estava em casa, no seio de minha família, no berço de nossas tradições e loucuras e nunca, nunca fui tão sã! Nunca estive tão salva!

Foi uma excelente escolha!
E por ser mais uma loura e louca, sou mui grata!

Beijos louros e loucos a todos!

2 comentários:

BOGOBOBAS disse...

ahhh q saudade desse jeito de falar! nem aprece q faz, o que? um mes! que me formei!
esse texto matou um pouco minha saudade! foi otimo descobrir esse blog! tnho certeza que de vez enquando sera um bom refugio!

beijos saudosos
Vivi

Anônimo disse...

Oi Sora! Sou eu a Bia Gross ^^. Não sabia que você tinha esse blog!! A Mands cabou d me mandar! Plenas 5 da manhã! XDD
Estou caindo de sono, e por isso não lerei outros posts agora XD. Só quero que saiba que o post do seu Reveillon me emocionou bastante... A parte da tradição familiar.. Do amor tão latente por vezes despercebido e os pequenos detalhes aos quais às vezes não damos valor. Realmente emocionante. Você passou essa emoção de forma forte por esse post! Saudades d vc! Beijos!